sábado, 3 de fevereiro de 2018

Na Tela: Sem Amor

Alyosha: destino incerto. 

Houve um tempo em que filmes com crianças era uma aposta certa para o Oscar de filme estrangeiro. Trocentos filmes que giravam em torno dos pequenos já concorreram nesta categoria e alguns até levaram a estatueta para casa. No entanto, o russo Sem Amor é quase uma nota dissonante neste universo com a história do desaparecimento do menino Alyosha. Filho de pais já separados que vivenciam o processo de divórcio, o menino está prestes a ser mandado para um internato porque seus progenitores estão preocupados demais em reconstruir suas vidas para cuidar de alguém tão dependente. Nas primeiras cenas o guri aparece numa paisagem gélida, se equilibrando entre galhos secos - e o cenário é muito melhor do que ter que chegar em casa e ser insultado pela mãe diante de desconhecidos. O título é seguido à risca quando o menino está em cena e, justamente quando temos um vislumbre das promessas do que o novo futuro reserva para os seus pais, o menino some. Pai e mãe nem sabem ao certo quantas horas fazem que ele desapareceu e, se a escola não tivesse comunicado, provavelmente nem se dariam conta até que  mais alguns dias tivessem passado. Começa então o desenrolar de uma história onde fica claro que desde a sua concepção, Alyosha foi uma espécie de efeito colateral na vida do casal que não estava preparado para zelar pela vida de uma criança - e nem queria estar. Mesmo durante as buscas, Zhenya (Mariana Spivak) e Boris (Aleksey Rozin) estão mais preocupados em trocar insultos ou jogarem a culpa de um para o outro do que com o menino propriamente dito. O desaparecimento dele parece uma derrota, a prova de que ambos falharam não como pais, mas como indivíduos que deverão dar satisfação deste fracasso para a sociedade, seja o patrão, o líder religioso, a avó do menino (que também demonstra estar mais preocupada com outras coisas) ou os policiais que se surpreendem sempre que recebe respostas que evidenciam o abismo que existia entre os aquela família. O diretor Andrey Zvyagintsev conduz sua narrativa com um rigor impressionante, com silêncios e lentidão que só ampliam o suspense em torno do paradeiro do menino, enquanto não descobrimos o que houve, vemos o diretor descascar as camadas de ressentimentos daqueles personagens (e são muitas...). Por seus méritos devastadores, Sem Amor concorre ao Oscar de filme estrangeiro, mas já foi lembrado na mesma categoria no BAFTA e no Globo de Ouro, mas foi no Festival de Cannes que saiu com o Prêmio do Júri por sua história difícil de assistir. O cineasta já havia se tornado conhecido pelo seu trabalho em Leviatã (2014) que já o havia colocado na mira dos prêmios internacionais (o Oscar inclusive), mas aqui o seu trabalho é ainda mais impressionante, justamente por repetir seu estilo cru, mas com um verniz emocional poderoso. Além de manipular os nervos da plateia com o que teria acontecido ao garotinho, a trama ainda aponta para a tristeza de um mundo onde a incapacidade de perceber o outro não pode gerar satisfação - mesmo que alguns de seus personagens estejam sempre tirando selfies sorridentes com o celular. Sem Amor permite várias leituras, seja naquela cena onde a negação do inevitável surge na grande catarse do filme. Se levar o Oscar, estará em ótimas mãos. 

Sem Amor (Nelyubov/Rússia-França-Alemanha-Bélgica/2017) de Andrey Zvyagintsev com Maryana Spivak, Aleksey Rozin, Matvey Novikov, Yanina Hope e Marina Vasileva. ☻☻☻☻

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