domingo, 6 de novembro de 2016

PL►Y: O Novíssimo Testamento.

Benoît: o divino à imagem e semelhança do mundano. 

Jaco Van Dormael é um diretor belga (injustamente) pouco conhecido que é capaz de criar tramas mais criativas do que as dos últimos dez filmes que você assistiu. Basta ver Sr. Ninguém (2009) para perceber que o diretor, prestes a completar 50 anos, merece sua atenção em todo filme que for assinado por ele. O Novíssimo Testamento foi indicado ao Globo de Ouro de filme estrangeiro e gerou polêmica ente os que não conseguiram interpretá-lo para além do prisma religioso, mas, os felizardos que conseguiram vê-lo para além disso não se arrependeram. A polêmica toda foi em colocar Deus feito homem (Benoît Poelvoorde) vivendo em Bruxelas. É de lá que ele governa o mundo criado (simplesmente porque estava entediado) como se jogasse um video game. Pelo computador ele cria mandamentos secretos que são pura Lei de Murphy ("A fila ao lado sempre andará mais rápido", "a parte da geleia sempre cairá voltada para baixo"...) e destila rabugice perante a esposa submissa (Yolande Moreau) - uma deusa que se contenta em arrumar a casa e ficar calada - e a filha caçula (Phil Groyne) que de vez em quando conversa com o irmão falecido, carinhosamente chamado de JC  (David Murgia), que o pai acredita ter falhado por ter sido muito compreensivo com a humanidade. Ou seja, o Deus do filme é inspirado totalmente nos escritos do Velho Testamento, cheio de Ira Divina e necessidade de que sejam temente a ele, assim, fica evidente o motivo de sua filha estar tão insatisfeita com os rumo que a humanidade tomou nos últimos séculos. Um belo dia a menina resolve fazer um milagre e contar, através de um aplicativo de celular, quanto tempo de vida resta à cada pessoa. Com o mundo em polvorosa diante do fim de cada um ela tem o ponto de partida para encontrar seus seis apóstolos e escreva o Novíssimo Testamento (com a ajuda de um sem teto que cruza o seu caminho). Mesmo com seus elementos subversivos, O Novíssimo Testamento é cheio de boas intenções e não deixa de ser simbólica a forma como atualiza o discurso de amar o próximo para dilemas atuais de um mundo globalizado marcado pela intolerância. Afinal, os novos apóstolos incluem uma mulher infeliz no casamento (Catherine Deneuve) que se apaixona por uma animal ameaçado de extinção, um menino (Romain Gelin) que perante a iminência da morte resolver ser menina, uma mulher com o braço amputado e... não cabe revelar mais do que isso. Ousado, divertido, poético e  provocador, o filme tem vários momentos interessantes que compensam a perda de ritmo quando passa o texto se tornar um tanto esquemático. Bem cuidado visualmente e com narrativa fluente, o filme deixa clara a necessidade de mudarmos nossa perspectiva para que o mundo entre nos eixos. Neste ponto, Dormael aponta para o olhar feminino como saída de um mundo dominado pela ótica (e testosterona) masculina. No fundo, o Todo Poderoso do filme é apenas uma representação construída de uma divindade masculina autoritária feita à imagem e semelhança de vários seres mundanos que conhecemos muito bem.  

O Novíssimo Testamento (Le Tout Nouveau Testament / Bélgica - 2015) de Jaco Van Dormael com  Phil Groyne, Benoît Poelvoorde, Catherine Deneuve, François Damiens e Laura Verlinden ☻☻☻☻

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