sexta-feira, 13 de novembro de 2015

CATÁLOGO: Deuses e Monstros


Ian e Brendan: criador e... criatura?

Espero que a má fase de Bill Condon tenha passado, afinal, depois de dirigir dois filmes memoráveis (Deuses e Monstros/1998 e Kinsey/2004) ele parece ter se tornado um mero operário de Hollywood, capaz de fazer (meio mais ou menos) o que lhe pedem (Dreamgirls/2006, Saga Crepúsculo/2012) de forma que até quando tentou voltar a ser relevante em O Quinto Poder/2013  sobre o Wikileaks,  a coisa desandou. A coisa parece ter melhorado com Mr. Holmes - filme que deve render uma indicação ao Oscar para Ian McKellen -  o que só comprova que Condon é bom quando se concentra nos dramas de seus personagens e deixa o apelo mais popular de lado. Deuses e Monstros foi seu terceiro filme para o cinema, mas o primeiro em que exibiu sua verve de autor, contando a história do criador da clássica imagem que temos na cabeça quando falamos de Frankenstein. Mary Shelley criou a história do personagem, mas foi o cineasta britânico James Whale (1889-1957), radicado nos Estados Unidos que criou a estética da criatura no filme Frankenstein (1931) - e, posteriormente, de sua noiva de cabelos em pé. Whale ficou famoso por criar filmes de horror bastante populares nos anos 1930 e sua história já era bastante interessante. Nascido em 1889 em uma família de metalúrgicos (profissão para qual não tinha o menor jeito), Whale serviu o exército durante a I Guerra Mundial e tornou-se prisioneiro de guerra em 1917, mas ao voltar para casa encontrou o caminho ao dedicar-se ao teatro nos anos 1920. A carreira em Hollywood veio somente na década seguinte. O filme de Condon concentra-se quando o cineasta já era idoso, precisamente no ano de sua morte, onde já estava de lado pela indústria e se recuperando de um AVC. Whale (vivido magistralmente por Ian McKellen) vive aos cuidados da mal humorada governanta Hanna (Lynn Redgrave, perfeita e indicada ao Oscar de coadjuvante!), além de cheio de interesses pelo novo jardineiro musculoso, Clayton Boone (Brendan Fraser). Pois é, Whale era gay num período em que essa palavra dava urticária na terra do cinema. Baseado na biografia O Pai de Frankenstein de Christopher Bram, o roteiro do próprio Condon (ganhador do Oscar de roteiro adaptado) tem seus maiores méritos em explorar a mente já confusa de Whale, onde lembranças do passado se misturam com o presente, construindo uma narrativa envolvente e complexa sobre a personalidade do biografado. É sensacional a forma como brinca com as semelhanças anatômicas de Brendan Fraser com Frankenstein (a cena que ele observa Boone e diz: "Você tem uma cabeça muito bonita" é antológica), além disso mantém a tensão sexual entre os dois personagens masculinos sempre de forma elegante, até o final delirante de cores fortes. É verdade que Condon exige de nós uma certa ingenuidade para acreditar que não houve um relacionamento amoroso entre Whale e seu jardineiro na vida real, mas isso é apenas um detalhe de um filme cheio de qualidades. Além da direção segura de Condon e do roteiro elaborado, o filme ainda se beneficia de uma sintonia perfeita entre seu trio de atores (pena que Brendan Fraser não soube aproveitar a deixa e dar uma guinada em sua carreira que hoje mostra-se acabada, uma pena já que aqui ele demonstra que tinha talento para além do carisma).  Deuses e Monstros é um filme interessante sobre um personagem pouco lembrado na história do cinema e que merece todo respeito, pena que não foi suficiente para a Academia engolir seus preconceitos, afinal, Ian McKellen é um dos atores abertamente homossexuais de Hollywood e lhe conferir o merecido Oscar de Melhor Ator daquele ano parecia demais - o prêmio acabou ficando com Roberto Benigni por seu meloso A Vida é Bela. Ano que vem a Academia terá a chance de se redimir com o ator, que é um dos meus artistas favoritos. 

Deuses e Monstros (Gods and Monsters/Reino Unido - EUA/1998) de Bill Condon com Ian McKellen, Brendan Fraser, Lynn Redgrave e Lolita Davidovich ☻☻☻☻

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