quarta-feira, 18 de março de 2015

Na Tela: Cake

Jennifer: dores, cicatrizes, fantasmas e humor negro. 

Pobre Jennifer Aniston. Desde que Cake foi exibido no (cada vez mais influente) Festival Internacional de Toronto, começaram as especulações sobre a sua indicação ao Oscar 2015 por enfrentar o papel de uma mulher mais complicada do que costuma viver em seus filmes. Com cicatrizes no rosto, dores constantes e obcecada com o suicídio de uma colega de terapia, sua indicação começou a ser cavada ali. Depois vieram prêmios por sua atuação em alguns pequenos festivais, elogios da crítica e as preciosas indicações ao prêmio de atriz dramática no Prêmio do Sindicato dos Atores (SAG) e ao Globo de Ouro, a partir daí, sua indicação era tida como certa - mas no fim das contas, Marion Cotillard surpreendeu todo mundo sendo indicada por Dois Dias, Uma Noite/2014. Não vou entrar no mérito de qual delas merecia mais a indicação, mas posso abordar como uma campanha equivocada pode comprometer o que poderia ser o momento alto da carreira de uma atriz bastante popular. Aniston é, em sua essência, uma comediante e isso torna o olhar sobre suas atuações visada por uma lente quase intransponível aos olhos de quem acompanhou sua carreira desde os tempos em que vivia Rachel do seriado Friends (1994-2004). Aniston já demonstrou que tinha dotes dramáticos em Por Um Sentido na Vida/2002 (e o aposto de Cake: Uma Razão para Viver prova o quanto carece de criatividade a divulgação de seus filmes mais sérios pelo mundo), mas queria mais e, talvez por conta disso, Cake foi vendido desde o início como um drama. No meu humilde ponto de vista não chega a tanto, o filme teria feito uma campanha melhor se fosse vendido como uma comédia dramática ou, melhor ainda, uma comédia de humor negro, já que Aniston dá conta de sua personagem sem abrir mão de seu timing cômico, que é aqui utilizado com maestria na construção de uma personagem amarga, mas que consegue pontuar seus comentários ácidos com toques de humor, ainda que cáustico. No entanto, se considerarmos que é o drama pesadão que querem nos convencer que é, Aniston parece traída (ironicamente) pelo seu próprio talento lapidado por anos em comédias que a subestimam como atriz. Só para ter uma ideia de onde quero chegar, Aniston recebeu mais elogios do que Amy Adams por Grandes Olhos (que terminou vencedora na categoria de atriz de comédia ou musical no Globo de Ouro), que também ficou de fora do Oscar. Penso que se os produtores tivessem feito a opção por valorizar o que Cake realmente é (uma comédia de humor negro), Jennifer teria levado o prêmio de atriz de comédia para a casa com facilidade (e cravado com mais força sua vaga no Oscar). O filme do diretor Daniel Barnz possui equilíbrio em seus elementos dramáticos e cômicos, o que não desmerece em nada o resultado final, especialmente pelas atuações afiadas do elenco. Claire Bennett (Jennifer Aniston) possui sua cota de tragédias pessoais para lidar e que conhecemos aos poucos. Além das cicatrizes e dores constantes, a personagem precisa lidar com alguns fantasmas pessoais  - incluindo o de uma colega suicida da terapia  (vivida por Anna Kendrick), de quem acaba aproximando-se do marido (Sam Worthington). Para lidar com o mundo, Claire conta com a ajuda de Silvana (a excepcional Adriana Barraza de Babel/2006) que é um misto de empregada, mãe e amiga colega de aventuras (que nem sempre saem como o previsto). Aniston dá conta de uma personagem complexa, sem perder a expressão da dor física que reflete muito a dor de uma perda irreparável (e que nem o vício em remédios consegue aliviar), porém, a atriz consegue criar diferentes nuances para essa mulher que poderia ser considerada apenas uma chata. Aniston abraça a dor, a rabugice, o desespero e quase loucura da personagem sem perder a esperança soterrada diante de tudo isso. Sua química com Adriana Barraza é bastante crível e compensa os tropeços do roteiro que tornam algumas situações dispensáveis. Mesmo que as intenções de Jennifer Aniston ao embarcar num projeto desses tenham naufragado, ela conseguiu provar que merece papéis de gente grande, afinal, aos 45 anos, ela tem plena consciência que não pode bancar a mocinha romântica e atrapalhada para sempre. Sua atuação é de fato um avanço na carreira e, ainda, coloca a Academia em dívida com ela nos próximos anos (resta à moça saber capitalizar esse momento).

Adriana e Jennifer: esquecidas no Oscar.

Cake: Uma Razão Para Viver (Cake/EUA-2014) de Daniel Barnz com Jennifer Aniston, Adriana Barraza, Anna Kendrick, Sam Worthington, Felicity Huffman, Lucy Punch, Chris Messina e William H. Macy. ☻☻

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