quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

KLÁSSIQO: Passagem para Índia


Davis: engolida pelos mistérios indianos. 

Já escrevi várias vezes a minha admiração por Judy Davis, uma atriz australiana que sempre me pareceu nunca receber a atenção que deveria. Às vezes tenho a impressão que apenas eu e Woody Allen lembramos que ela existe, mas Judy sabe capitalizar sua aura de atriz cult dando conta de participações especiais em filmes esporádicos (como Maria Antonieta/2006 de Sofia Coppola), produções para TV e curtas metragens. Nascida na cidade de Perth em 1955 e atuando no cinema desde 1977, o mundo reconheceu seu talento quando foi estrelou o belo Passagem para Índia de David Lean - pelo qual cravou uma indicação ao Oscar de atriz em 1985 (ano que consagrou Sally Fields por Um Lugar no Coração). Provavelmente a atriz não levou o prêmio porque sua personagem atormentada surge numa interpretação bastante introspectiva, direcionada com bastante inteligência mas que torna toda a experiência do filme um pouco mais complexa do que a plateia está acostumada. Famoso pelos filmes épicos de imagens grandiloquentes, cheias de planos abertos exuberantes (basta ver Lawrence da Arábia/1962 e Doutor Jivago/1965), o diretor ficou tão frustrado com o fracasso do grandiloquente A Filha de Ryan (1970)  que ficou quatorze anos sem lançar obra alguma. Quando retornou ao batente, realizou um filme onde a história fala mais do que a forma como a Índia e seus encantos são apresentados. O filme conta a história de duas mulheres que vão para Índia no período em que o país ainda era dominado pelos ingleses. A experiente Srª Moore (Peggy Ashcroft, ganhadora do Oscar de atriz coadjuvante) resolve visitar o filho que ocupa um cargo diplomático na Índia. Ela leva a futura nora, Adela (Judy Davis) e as duas percebem que existe bastante preconceito na forma como os seus conterrâneos ingleses tratam os indianos. Quem também percebe isso é o superintendente da escola local Richard (James Fox) que mantêm laços de amizade com o excêntrico brâname Godbole (o mutante Alec Guiness, divertido, irreconhecível e genial) e que acolhe as duas. Ao grupo de amigos se juntará o simpático doutor Aziz Ahmed (Victor Banerjee), viúvo bastante atencioso com as inglesas. Eis que por um golpe do destino, Ahmed e turistas irão visitar cavernas misteriosas que são pontos turísticos da região e ele será acusado de ter estuprado Adela. É neste momento que David Lean mostra todo o seu talento ao conjugar cenas e que falam mais do que as palavras, existindo tanto o horror da suspeita de estupro, como também o pavor de que seja feita uma injustiça com Aziz devido ao preconceito latente dos ingleses. Com quase três horas de duração, Lean constrói lentamente a narrativa e revela seus personagens aos poucos para a plateia. Talvez por isso, Aziz seja bem menos suspeito do que a instável Adela, mesmo no tribunal - onde a verdade irá se confrontar com fantasias e a construção da identidade de ambos os envolvidos. Baseado na obra de E.M. Forster, Lean faz um filme sobre o processo violento que foi o domínio inglês na Índia (que permaneceu até o século XX). O esmero na realização do filme lhe valeu 11 indicações ao Oscar, dos quais levou o de atriz coadjuvante para Peggy Ashcroft (numa interpretação bastante teatral) e trilha sonora. Completando vinte anos, o filme merece ser redescoberto. 

Passagem para Índia (A Passage to India/EUA-Reino Unido-1984) de David Lean com Peggy Aschcroft, Judy Davis, Alec Guiness, James Fox e Victor Banerjee. ☻☻

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