segunda-feira, 15 de outubro de 2012

KLÁSSIQO: Memórias

Charlotte Rampling: musa complicada nesta pérola de Woody Allen.

Eu consigo entender o motivo pelo qual a maioria das pessoas que assistem aos filmes recentes de Woody Allen não conseguem vê-lo como o gênio que os fãs mais antigos enxergam nele. Então, se todo mundo critica sua obra mais recente (Para Roma com Amor/2012) é bom catar um filme mais antigo do diretor, um dos mais inventivos como esse Memórias de 1980. É impressionante como o filme ainda apresenta um frescor que o torna atemporal ao explorar como funciona a imaginação de um cineasta. Allen interpreta a si mesmo na pele do diretor Sandy Bates, que está prestes a enfrentar um festival de cinema dedicado à sua obra - justamente quando os produtores encrencam com sua obra mais recente em que pretende ser mais sério do que engraçado. O festival é um prato cheio para Allen fazer graça de todo tipo de gente que orbita em torno de sua obra, de cinéfilos que buscam significados em cada detalhe em cena ("o que você acha que significava aquele carro?" "Acho que significava o carro dele!" "AAh") ou fãs dedicados que lhe oferecem a própria esposa, passando por críticos que o consideram genial enquanto outros o veem apenas como mais um artista pretensioso. Enquanto enfrenta essas situações triviais o diretor dá entrevistas impagáveis que mais parecem uma espécie de espetáculo de stand up comedy (como o momento em que nega ser narcisista, já que se existe algum equivalente à ele na mitologia grega, essa equivalência seria com Zeus). Não bastasse toda essa exposição, ele ainda tenta dar um jeito em sua vida amorosa. Se suas memórias são dedicadas à ex-mulher/atriz problemática (a francesa Charlotte Rampling linda e em ótima atuação) ele tem um caso complicado com Isobel (Marie Christine Barrault) que acaba de deixar o marido tendo os filhos na bagagem (acho hilária a cena em que a filha caçula parece espinafrar o amante da mãe sem que ele entenda uma palavra), mas ainda encontra tempo para flertar com uma musicista (Jessica Harper) que acaba de conhecer. Allen conduz seu filme numa narrativa livre, com um fio condutor muito simples que deixa espaço para que sua imaginação viaje sem amarras, sendo assim a realidade se mescla com perfeição a situações imaginadas e memórias sem aviso prévio  - é nesta proposta que acompanha um grupo de admiradores de alienígenas nas redondezas do festival (o que dá origem aos diálogos interplanetários mais insanos da história). Ainda assim, o filme conta com uma cena dramática memorável (aquela em que Charlotte Rampling repete uma cena exaustivamente até acertar o tom, sem exagero, sua personagem é uma uma das melhores criações femininas do cineasta). A seriedade da fotografia em preto e branco serve de excelente contraponto ao humor surreal que o filme apresenta, especialmente em sua última cena onde os atores parecem comentar a própria obra do diretor (com os pais dele se indagando como o filho pode ganhar dinheiro com essa bobagem). O longa está para Allen assim como Oito e Meio (1963) está Felini ou All That Jazz (1979) está para Bob Fosse, a diferença é que mesmo com tanta inventividade narrativa o filme é bastante despretensioso - o que pode ter colaborado para ter recebido menos destaque do que os filmes citados onde os autores olham explicitamente para si.

Memórias (Stardust Memories/EUA-1980) de Woody Allen com Woody Allen, Charlotte Rampling, Marie Christine Barrault, Jessica Harper, Daniel Stern e John Rothman. ☻☻☻

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