quarta-feira, 9 de maio de 2012

DVD: Sob o Domínio do Medo 2011 | 1971

Bosworth e Marsden: o inferno é aqui?

Refilmar um clássico já é um grande problema - e quando se trata de uma obra tão polêmica quanto Sob o Domínio do Medo (1971) de Sam Peckinpah (1925-1984) a coisa torna-se assustadoramente perigosa. Deviam ter pensado nisso quando resolveram reciclar o filme estrelado por Dustin Hoffman colocando James Marsden em seu lugar. Até hoje o filme original é famoso por suas cenas de violência - e eu acreditava que na Hollywood atual, jamais seria feita obra semelhante, mas como é uma refilmagem a coisa deve ter se tornado (aparentemente) mais fácil, já que acreditaram que instigaria a curiosidade dos fãs do original e chamaria a atenção dos curiosos que sempre ouviram falar do original, mas nunca tiveram a oportunidade de assistir. O problema mesmo é que Rod Lurie não é Peckinpah (por muitos considerados o "poeta da violência" pela forma com que conduzia, especialmente, seus faroestes clássicos), seu protagonista não é Dustin Hoffman e o roteiro faz alguns arranjos que faz tudo soar ainda mais esquisito para os dias atuais (em 1971, Clint Eastwood estava no auge com seu Dirty Harry, assim como os filmes de Charles Bronson). Se no original o protagonista era um pacato matemático franzino, em 2011 ele é um roteirista de Hollywood com o físico atlético de James Marsden. Se no original ele consegue uma bolsa e vai para a cidade natal da esposa (um vilarejo da Inglaterra, fugindo dos manifestantes contra a guerra do Vietnã), no remake ele vai para o sul dos EUA. E, finalmente, se ele tinha como esposa a consistência atraente (e conflituosa) de Susan George, aqui restou-lhe a anoréxica Kate Bosworth para fazer companhia. Sinal dos tempos. Como trata-se do uso de um texto consagrado o estúdio convenceu até James Woods a participar - no papel de vilão transformado em treinador de futebol. O grande mérito do filme ainda é a simbologia construída de como a violência é capaz de infectar o mais pacato dos cidadãos (e assim como o original, cozinha a tensão até o final violento). Ele ainda deve criar polêmica pela dualidade de poder incentivar a violência com mais violência, mas se lembrarmos da essência do cineasta que concebeu a obra original, veremos que o filme é concebido como uma espécie de faroeste moderno, especialmente no momento em que o mocinho deve sujar as mãos para defender sua honra - e de quem está sob seus cuidados. Mas o fato do roteiro mexer na essência de alguns personagens faz as coisas parecerem um tanto desengonçadas. Em 2011, o esposo é um roteirista que pretende escrever em seu refúgio interiorano, sua esposa (Bosworth) é uma atriz relativamente famosa que o conheceu ao trabalhar num seriado escrito por ele. Os dois vão morar numa casa que precisa de reformas no celeiro e acabam contratando o ex-namorado dela (Alexander Skarsgaard)  e um bando de amigos dele para realizarem o serviço. Aos poucos eles começam a incomodar por entrarem na casa aleatoriamente, sem pedir licença e assedia-la constantemente. Ainda que agregue superficialmente o aspecto religioso na trama e explore de forma desajeitada a presença de um personagem com deficiência, o que mais me incomoda é a personagem de Bosworth - que perdeu as dualidades da personagem original e deixou a atriz da refilmagem num vespeiro. Sua personagem consegue ser apenas contraditória em suas ações  (e o fato de Kate estar longe de ser a atriz que pensam que é ela é atrapalha um bocado). Percebo o quanto se ressente do esposo não defendê-la dos homens rudes que rodeiam a casa, entendo que fique com raiva dele e possa até se exibir para eles na janela do quarto, mas não entendo como ela não poderia antecipar os fatos que se seguiriam depois dessa ousadia. A polêmica cena do estupro permanece chocante (e as cópias de 1971 eram sempre censuradas em seus momentos mais incômodos), mas a reação da vítima fica bastante datada quando transpomos a trama para os EUA do século XXI e envolvendo uma atriz de TV e seu esposo roteirista! Da mesma forma, é um tanto surreal conceber uma cidade onde um treinador de time de futebol consegue impor mais respeito do que o delegado da cidade (e o fato do delegado ser negro não justifica). Posso entender que existe o calor do momento, a emoção exacerbada e a histeria coletiva que se alastra entre os personagens na conclusão do filme, mas da forma como foi realizado nesta refilmagem parece apenas um amontoado de preconceitos com os sulistas americanos - talvez por isso o filme tenha se tornado um fracasso de bilheteria. Dá para perceber que não curti muito essa refilmagem e que recomendo que assista o original (que a propósito é um dos trabalhos mais odiados de Dustin Hoffman), nem que seja para comparar. Vale a pena ressaltar o sentido do título original em inglês (Straw Dogs/Cães de Palha) que remete ao filósofo chinês Lao-Tzu: "Céu e Terra não são humanos, e olham as pessoas como se fossem cães de palha", acho que o filme mostra que nem os humanos são sempre humanos. Os mais curiosos ainda podem procurar o livro de Gordon Williams que deu origem aos filmes.

Hoffman e Susan: perdendo a inocência.


Sob o Domínio do Medo (Straw Dogs/EUA-2011) de Rod Lurie com James Marsden, Kate Bosworth, James  Woods e Alexander Skarsgaard. 

Sob o Domínio do Medo (Straw Dogs/EUA-1971) de Sam Peckinpah com Dustin Hoffman, Susan George, Del Henney e David Warner. 

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