domingo, 18 de março de 2012

CATÁLOGO: Parceiros da Noite


Pacino: sangue, suor e ambiguidades. 

Tem filmes que são curiosos, não sendo lembrados propriamente pela história e mais pela forma como funcionam como documento histórico de determinado período. Parceiros da Noite de William Friedkin (consagrado por O Exorcista/1973 e Operação França/1971) é um desses casos. Baseado em fatos reais, o filme se inspira na investigação policial para encontrar o assassino responsável pelo encontro de cadáveres e partes de corpos masculinos encontrados próximos ao rio Hudson em Nova York. A polícia passa a investigar os crimes e descobre que se trata de um serial killer que vitima homossexuais, com preferência pelos frequentadores dos bares do West Village. Descobre-se aos poucos que as vítimas tinham gosto mais exótico, sendo adeptos de práticas sadomasoquistas e parceiros variados encontrados nas redondezas. Diante dessas informações, o policial Steve Burns (Al Pacino) é escolhido para se infiltrar naquela comunidade, menos pelo seu prestígio e mais por sua semelhança com as vítimas - por sua vez, Burns vê na tarefa a chance de ingressar na divisão de detetives e abandonar a desprestigiada ronda pela cidade. Apesar de algumas ousadias (como o retrato da comunidade gay local como uma Sodoma e Gomorra contemporânea), enquanto thriller o filme é bem convencional (dos ataques com o rosto do assassino sempre disfarçado na sombra, a faca sempre reluzindo à luz, os espelhos em que o protagonista se vê e até a motivação do assassino que descobrimos no final), a graça mesmo fica por conta da atuação de Al Pacino, que mergulha nas ambiguidades sugeridas pelo seu personagem. Apesar de ter um relacionamento sério com Nancy (Karen Allen) fica evidente que existe uma mudança no comportamento de Steve ao frequentar aqueles espaços do Village. Isso fica mais evidente quando aluga um apartamento nas redondezas e conhece o vizinho Ted (boa atuação Don Scardino que mantém carreira sólida na TV americana), um dramaturgo homossexual que namora um dançarino que vive em turnê. Não demora para que ambos desenvolvam uma amizade sincera que contrasta com o enferninho S&M que Burns deve frequentar para garimpar suspeitos. Friedkin contratou consultores especializados no assunto para compor esses ambientes de iluminação sombria, música pesada, bigodes, peitos peludos, suor e sexualidade agressiva. Essa parte deve desagradar os mais sensíveis - e até hoje gera polêmica pela forma obscura como retrata a comunidade gay (mas que cai como uma luva como retrato de um período pré-AIDS e que facilitou sua propagação ainda conhecida como peste gay). Em determinada cena, Ted diz que se a polícia descobrir o assassino, provavelmente o contrataria para trabalhar para eles e essa tensão, presente no livro homônimo de Gerard Walker, reserva momentos que beiram o surreal na ação da polícia. Fica evidente a intolerância e o preconceito com que tratam um suspeito apenas por ele ser gay (tem uma parte estranha com um fortão de cueca que aparece só para lhe dar tapas na cara e outra pior ainda, onde os policiais o torturam psicologicamente atribuindo sua inocência ou culpa ao fato do testículo boiar na água ou não). Friedkin sempre foi adepto de revirar os nervos da plateia, mas aqui tudo soa exagerado enfraquecendo os pontos fortes do roteiro  - que não estão presentes nos crimes ou na estética, mas nas ambiguidades do personagem Steve Burns. Pacino constrói um personagem complexo que sente atração e repulsa pelo universo que o cerca, seja descobrindo o significado dos lenços coloridos ou flertes com outros homens. A verdade é que Burns torna-se cada vez mais escorregadio, o que remete a uma fala com a namorada antes que comece sua investigação ("Há muitas coisas sobre mim que você não sabe"), a cena em que é amarrado numa cama por um suspeito (e reclama quando a polícia vem resgatá-lo), a enigmática cena em que atende ao convite de um homem rumo à escuridão do Central Park ou a crise de ciúme com o namorado de Ted. São cenas assim que fazem o caminho para o desfecho perturbador quando achamos que tudo está resolvido e existe a suspeita de que Burns se contaminou com a loucura do assassino em matar para abafar um desejo proibido. Apesar das cenas feitas para chocar e os clichês desengonçados, é essa interpretação multifacetada que fica na cabeça quando o filme termina - ainda bem que o papel não ficou com Richard Gere! Para os fãs do seriado Modern Family fiquem atentos ao pequeno papel de Ed O'Neill (o patriarca da família) como um policial. 

Parceiros da Noite (Cruising/EUA-1980) de William Friedkin com Al Pacino, Paul Sorvino, Karen Allen, Don Scardino e Richard Cox. 

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