domingo, 30 de outubro de 2011

DVD: Os Inquilinos


Descartes: existo, logo, temo!

Quando vejo o nome de Sérgio Bianchi assinando um filme eu já fico assustado, afinal todo mundo que conhece o cineasta sabe do que seu realismo pessimista sobre a sociedade brasileira é capaz de fazer (basta procurar seu clássico Cronicamente Inviável/2000 para lembrar). Apesar de ter feito sucesso em alguns festivais, Os Inquilinos passou em branco nos cinemas e merece ser descoberto em DVD. O filme me revelou um Bianchi mais sereno, ainda assustador por sua perspicácia, porém mais sutil ao abordar seus temas recorrentes. A inspiração do título vem claramente do clássico de Polanski (O Inquilino/1976) e basta ver os primeiros acordes de seu filme para saber que também se trata de um suspense dramático dos bons.  Ambientado na periferia paulistana, o filme explora as mudanças na vida de um casal comum após a chegada de novos vizinhos. Valter (o excelente Marat Descartes) trabalha carregando frutas durante o dia para sustentar a esposa (Ana Carbatti) e o casal de filhos. Apesar da vida dura, Valter estuda à noite na certeza de conseguir algo melhor para a família. Tudo vai bem, até o lar doce lar ser ameaçado pelo trio de vizinhos que se muda para casa ao lado. Ninguém sabe de onde vieram. Eles  falam alto, são barulhentos, levam mulheres para lá, trocam insultos e parecem estar sempre metidos em confusão. Ao invés de optar pelo caminho mais óbvio da violência, Bianchi prefere trabalhá-la por dentro, evidenciando as tensões que corroem seus personagens, seja  pela agressividade que presenciam nas ruas ou a ameaça de que o mundo particular agora está em perigo. Valter tem consciência do que é ser um cidadão correto, mas o mundo ao seu redor parece estar sempre afirmando que não está dando a mínima para isso. Seja pelo patrão que se recusa a assinar sua carteira de trabalho, seja pelo cabeludo motoqueiro que quase o atropela no caminho para o trabalho, as ameaças dos traficantes na área em que estuda, os ônibus queimados pelas ruas ou os vizinhos bagunceiros que estão sempre desafiando as regras que fizeram do bairro em que mora um lugar sossegado. Valter vive repetindo que seu pai construiu aquela casa tijolo por tijolo, sempre que sua esposa demonstra impaciência diante da moradia que tornou-se vizinha de uma bomba-relógio. Essa tensão na vida de Valter só cresce quando a tesnão no bairro aumenta e o vizinho, que o viu crescer, sente que está com a vida ameaçada pelos inquilinos. Bianchi soma uma série de ingredientes que indicam um caminho que o espectador não quer ver (torcemos para que Valter não resolva fazer besteiras, mesmo que suas manias de imitar o cão de estimação aponte cada vez mais para o contrário). A tensão é crescente e o realismo do cotidiano dos personagens é palpável pelas sutilezas que o diretor coloca aqui e ali, talvez por isso o final traga alguma surpresa - mas não impede que sintamos um pouco mais de nossa calada indignação de cada dia.  

Os Inquilinos (Brasil/2010) de Sérgio Bianchi com Marat Descartes, Ana Carbatti, Umberto Magnani, Caio Blat, Cássia Kiss, Zezé Barbosa, Leona Cavalli e Fernando Alves Pinto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário