domingo, 25 de setembro de 2011

CATÁLOGO: Shortbus

 
Com a chegada de Reencontrando a Felicidade (2010) nas locadoras é provável que muita gente busque o conhecer o trabalho de John Cameron Mitchell (foto), mas é bom deixar claro que apesar de todo o tom singelo da trama protagonizada por Nicole Kidman e da cara de bom moço de seu diretor, o cara tem uma cabeça flamejante.  Famoso por ter levado às telas sua peça Hedwig (2001) sobre punk drags,  o moço resolveu radicalizar de vez com Shortbus (2006) - um filme que causou escândalo por suas cenas de sexo explícito inseridas num drama - o que não chega a ser uma novidade, apesar de raramente aparecer com tanta contundência e serventia à trama quanto em Shortbus. O título se refere a um clube onde os personagens se encontram para refletirem sobre seus dilemas sexuais e terem novas experiências na área. Mitchell escalou amigos para darem conta dos personagens de seu texto que gira em torno de um casal de homossexuais, James (Paul Dawson) e Jamie (PJ DeBoy) que aparentemente estão dispostos a aderirem ao relacionamento aberto e uma terapeuta sexual (Sook-Yin Lee) que não consegue atingir o orgasmo. É por conta do casal que ela começa a frequentar o clube do título e questionar o que acontece com seu corpo e mente, já que ama o marido mas não consegue atingir o ápice do prazer. Em suas dúvidas nem adianta utilizar explicações científicas ("para a reprodução humana o orgasmo feminino não tem obejtivo nenhum"), sua insatisfação é latente. Ao lado desses personagens existes outros tipos curiosos como a drag queen que serve de mestre de cerimônias desse point moderninho, uma dominatrix e seu namorado encoleirado, o esposo da terapeuta, um pretendente para James & Jamie, um senhor que lamenta não ter assumido sua homossexualidade e um voyeur. Há muito humor no filme, mas o que mais impressiona é a forma cuidadosa com que Mitchell constrói a história de seus personagens, com melacolia e solidão. Enquanto os mais conservadores devam reparar somente nas cenas de sexo explícito (reconheço que o começo do filme é um desafio explícito aos puristas), os mais espertos e capazes de entender um filme para adultos (com trocadilho, por favor) vão perceber que o filme trata da solidão dos conflitos internos com a sexualidade. Saber entender e articular a individualidade com o mundo é a grande questão evidenciada por Michell. O ônibus pequeno do título pode ser interpretado como um espaço fácil de acumular pessoas amontoadas, ou como o nosso corpo é capaz de abrigar diversos traços de personalidade. A criatividade de Mitchel em criar alegorias aparece em outros momentos, como a maquete de Nova York que abriga os personagens (que pode ser interpretada como a afirmação de que um filme não é capaz de captar com fidelidade absoluta a vida real, ou como todos são sujeitos que vivem no mundo criado por seu autor, ou, a melhor de todas, que é um olhar novo sobre uma cidade que cansamos de ver no cinema como um cartão postal). Você pode até se escandalizar com o filme, mas ao final da sessão terá a sensação de que viu um raro caso de originalidade ao lidar com um assunto que ainda é tabu - e a trilha sonora em colaboração com  Yo La Tengo (uma des melhores bandas indies de todos os tempos) só ressalta a visão única sobre o tema. Em determinado momento um personagem diz: "é como nos anos 60, só que com menos esperança", alimentando que não há há moralismo, vulgaridade ou hipocrisias no filme, trata-se de uma obra que trabalha a sexualidade com rara naturalidade (graças a um diretor que almeja estimular um músculo que ainda precisa ser muito trabalhado na espécie humana: o cérebro).    

Lee e Barker: falta algo nesse casamento...

 Shortbus (EUA-2005) de John Cameron Mitchell com Sook-Yin Lee, Raphael Barker, Paul Dawson, PJ DeBoy, Jay Brannan, Peter Stickles e Lindsay Beamish. ☻☻☻

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