quinta-feira, 7 de abril de 2011

CATÁLOGO: Mistérios e Paixões


Peter Weller: processo criativo regado à inseticida.

David Cronenberg nunca foi um dos meus dieretores favoritos da década de 1980. Sempre me pareceu que queria mais criar cenas nojentas do que despertar qualquer outra sensação nos espectadores, debaixo de tanta geleca seus filmes me parecebem bem frios. Apesar de datar desta época clássicos (?) como Gêmeos - Mórbida Semelhança (1988), A Mosca (1986), A Hora da Zona Morta (1983)  e Videodrome (1983), Cronenberg só mostrou que queria ser levado a sério  na década seguinte quando lançou a adaptação de Almoço Nu romance tido como anadaptável de Willian Burroughs. Ao ver o filme percebemos que a leitura não deve ser das mais fáceis, mas o trabalho de Cronenberg demonstra a maturidade de quem anos depois criaria obras progressivamente mais sólidas como o pouco visto Existenz (1999), o subestimado Spider (2002) e os cultuados Marcas da Violência (2005) e Senhores do Crime (2007). A versão do diretor para a obra de Burroughs só chamou minha atenção quando o vi na posição 446 (em ordem alfabética) da lista da publicação de 1001 Filmes para ver Antes de Morrer, ou melhor, quando me dei conta de que  o Naked Lunch  mencionado era o filme que vi por R$ 5,90 numa loja de departamento sob o título Mistérios e Paixões (1991). Deixando toda essa saga de lado trata-se de um filme difícil de se ver. Não que seja chocante ou confuso em demasia, mas porque parece girar em torno de sensações que dependem muito do envolvimento da platéia para que funcione. Ok, todo filme precisa disso, mas existem aqueles que se você não embarcar na proposta não aguenta nem quinze minutos. Cronenberg investe pesado numa atmosfera noir (ou neo-noir como diz alguns cinéfilos) e nisso a trilha jazzy esquisita ajuda, assim como as roupas do protagonissta Bill Lee (vivido pelo ex-Robocop Peter Weller). Apesar do cara trabalhar como exterminador de insetos ele se veste como Dick Tracy e quer ser escritor na Nova York de 1956. Mas a vida de Lee não é fácil, logo no início sabemos que ele teve problemas com a polícia e que, assim como sua esposa (Judy Davis, a qual confesso nutrir uma paixão há tempos), está cada vez mais viciado no pó amarelo utilizado como inseticida. Esse vício fará Bill embarcar em delírios cada vez maiores. Nada faz muito sentido no filme, ou melhor, tudo faz sentido no filme quando percebemos que se trata de uma metáfora sobre o vício de escrever. Lee não faz a mínima ideia do que quer escrever, mas está sempre datilografando sua história - que vai do nada ao lugar algum baseado em frases que vez por outra perpassam seu cotidiano incomum. Esse foco no processo de escrita já foi abordado diversas vezes (e no mesmo ano os manos Coen criaram o celebrado Barton Fink que tem semelhanças com este aqui) mas em nenhuma delas foi utilizado alguns dos efeitos especiais mais nojentos do cinema. Ao ficar curtindo o barato que o tal pó amarelo dá, Lee começa percebe que as máquinas de escrever são insetos anabolizados e que disputam tanto a sua atenção quanto anunciam que Lee é alvo de uma grande conspiração (que envolve até a sua esposa que é acusada de ser uma centopéia espiã!). Mas que tipo de conspiração? Não faço a mínima ideia e Cronenberg não faz muita questão de dizer que angústia é essa que o protagonista tem de ficar achando que todo mundo quer prejudicá-lo (e com isso impossibilitá-lo de continuar seu livro). Como as coisas ainda não estão confusas o suficiente, o diretor colocar uma série de personagens misteriosos em cena que são suspeitos das tramóias anunciadas. No meio do caminho existe a Interzone, Inc. (que produz derivados de insetos mas que parece mais um código para dizer que o personagem está no meio do caminho entre a inspiração e a escrita) e um pó negro utilizado para acabar com o vício no pó amarelo. Como já disse antes, o diretor não tem a preocupação de explicar muito as coisas, prefere deixar tudo no ar, cheio de mistério e com pouca explicação e o desfecho parece girar em torno de Cloquet (Julian Sands) um sujeito muito esquisito que cruza o caminho de Bill Lee. Não é para todos os gostos, mas apresenta boas ideias para quem quer escapar dos filmes que parecem cópias de outros que vimos no ano passado. Porém, falta há Cronenberg aquele estilo que torna o estranho tão sedutor quanto o de David Lynch.  

Mistérios e Paixões (Naked Lunch/EUA-Canadá/1991) de David Cronenberg com Peter Weller, Judy Davis, Ian Holm, Joseph Scoren e Julian Sands. ☻☻

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