segunda-feira, 6 de março de 2017

CICLO DIRETORAS: O Porteiro da Noite

Charlote e Dirk: amor, estranho amor. 

Nascida em 1933 a diretora italiana Liliana Cavani nunca se apresentou como uma diretora feminista, mas suas obras mais famosas sempre deixaram evidente o retrato de uma mulher forte e passional que nunca temeu expressar seus pensamentos. Isso ficou claro em filmes como I Cannibali (1970), A Pele (1981) e Berlin Affair (1985), todos com histórias de amores intensos e sacrifícios, no entanto muitos consideram o polêmico O Porteiro da Noite (1974) como sua verdadeira obra-prima. Imagino há mais de quarenta anos uma mulher contando a história do relacionamento sadomasoquista entre um ex-oficial nazista e uma sobrevivente de um campo de concentração. A ideia já parece um delírio, mas Liliana transcende a História e conta uma história de amor cheia de jogos de poder, dominação e luxúria. O resultado faz 50 Tons Mais Escuros parecer ainda mais capenga e antiquado - e reparem que estou falando de um filme lançado há 43 anos! O porteiro da noite se chama Max (Dirk Bogarde), seu passado nazista está prestes a ser julgado, mas se o seu grupo de amigos ex-oficiais diz que não há o que temer, já que não existe testemunhas contra ele. No entanto, a situação muda quando Lucia (Charlotte Rampling, linda e se tornando uma estrela internacional num papel complicado) se hospeda no hotel e o reconhece. Basta o primeiro olhar para que ela identifique o oficinal que há doze anos manteve com ela uma estranha relação no campo de concentração. A relação entre os dois personagens gerou muita discussão, mas Cavani sempre afirmou que em seus trabalhos como documentarista conheceu histórias que inspiraram na construção do filme, sobretudo na personificação do mal e a atração que ele pode provocar. O Porteiro da Noite é cheio de detalhes, seja quando Lucia começa a ser perseguida e Max a protege (como se ele quisesse que o que houve nos campos jamais pudesse ser exterminado da memória) ou o fato dela não ostentar a estrela amarela como a maioria das pessoas presente no campo de concentração. Cavani ainda esgarça reflexões sobre a cumplicidade da vítima com seu agressor, além de provocar questões sobre oprimido e opressor, dependência mútua e dominação. No entanto, o filme fica ainda mais interessante quando o percebemos como uma história de amor diferente, entre duas pessoas que se identificam pelo prazer através do poder que possuem um sobre o outro, um relacionamento que pode ser tão consentido quanto abusivo e destrutivo. Vários filmes italianos na década de 1970 erotizaram oficiais nazistas, mas nenhum deles é tão lembrado por subverter os signos como este aqui. Ainda hoje o filme de Cavani impressiona por sua ousadia, pela plasticidade e o desconforto que causa diante do relacionamento sadomasoquista que retrata. É difícil imaginar um cineasta que ousaria fazer um filme como este nos dias atuais e, por levar nosso imaginário a lugares nunca antes pensados, que a coragem de Liliana Cavani é necessária.

Liliana Cavani

O Porteiro da Noite (Il Portiere di Notte/Itália-1974) de Liliana Cavani com Dirk Bogarde, Charlotte Rampling e Gabriele Ferzetti. ☻☻☻☻

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