sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

FILMED+: Moonlight

Hilbert e Ali: sensibilidade em meio à agressividade. 

Contar três fases da vida de um personagem não é novidade no cinema, no entanto, o que acontece em Moonlight é algo realmente raro. O roteiro não se preocupa em criar uma narrativa de causa e efeito, ação e reação, os três recortes começam e terminam de forma quase independente, deixando lacunas para que o espectador preencha enquanto assiste. O filme conta três momentos na construção da identidade do protagonista. Quando pequeno (vivido por Alex Hilbert), ele vive um relacionamento complicado com a mãe viciada em crack (Naomie Harris, ótima) e um mundo que o rejeita sem que ele saiba exatamente o motivo. Torna-se palpável toda a solidão do menino até ele cruzar o caminho de Juan (Mahershala Ali, perfeito), um traficante local que praticamente o adota de coração aberto. É na casa de Juan e esposa (Janelle Monáe a cantora que virou atriz em 2016) que o pequeno Chiron encontrará um pouco de conforto emocional, ao ponto de ser para Juan que o menino irá expor seus primeiros questionamentos sobre a sexualidade. Este aspecto da personalidade de Chiron será mais explorado quando ele se tornar adolescente (agora na pele de Ashton Sanders) e sentir-se mais próximo do amigo Kevin (Jharrel Jerome) – o que renderá uma das cenas mais tristes do roteiro. Não por acaso, Chiron irá seguir o exemplo do seu mentor (não por acaso o filme começa com uma cena de Juan e não de Chiron, como se desenhasse um verdadeiro ciclo) e criar uma persona que servirá para se proteger da hostilidade que sempre sofreu, mas... a chance de reencontrar Kevin (André Holland em mais uma atuação marcante) pode fazer com que Chiron finalmente consiga lidar com suas emoções mais particulares. Moonlight é um filme realmente diferente, que lida com temas difíceis com uma leveza difícil de encontrar. Não é fácil contrastar o tempo inteiro dicotomias bem como hostilidade/afeto, violência/sensibilidade, agressividade/fragilidade com o equilíbrio que vemos aqui. O resultado é o filme mais diferente entre todos os nove concorrentes ao Oscar de Melhor Filme deste ano. Lembrado em oito categorias (e arrisco que se não levar nada, leva o de ator coadjuvante ou o de roteiro adaptado do teatro), o filme de Barry Jenkins nos brinda com doses cavalares de sensibilidade. Sua narrativa foge do óbvio e nunca resulta apelativa ou gratuita, numa espécie de poesia visual onde o espectador preenche os significados. Embora Mahershala Ali e Naomie Harris estejam no páreo por suas atuações (ambas merecidíssimas, basta ver a cena do duelo entre os dois personagens: é de arrepiar), senti falta de Trevante Rhodes – que interpreta Chiron adulto – nas premiações. Rhodes tem o porte de uma fortaleza, mas com poucos gestos e olhares, consegue expressar plenamente a alma do menino que vimos no início do filme, principalmente quando precisa acertar suas contas com duas pessoas de sua conturbada trajetória em busca de si mesmo.

Rhodes: ausência sentida nas premiações. 

Moonlight – Sob a Luz do Luar (EUA-2016) de Barry Jenkins com Mahershala Ali, Naomie Harris, Trevante Rhodes, André Holland, Ashton Sanders, Alex Hilbert, Janelle Monáe, Jharrel Jerome e Patrick Decile ☻☻☻☻☻

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