quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Na Tela: Os Últimos Dias no Deserto

Ewan: um homem e seus conflitos. 

Filho de Gabriel García Marques, o cineasta Rodrigo García tem uma sensibilidade notória desde a sua estreia no cinema (com o ótimo Coisas que Você Pode Dizer Só de Olhar para Ela/2000), essa sensibilidade que faz suas tramas se movimentem em torno das relações entre os personagens. O interessante é que mesmo diante da abordagem de um tema religioso, o cinema de García funciona da mesma forma. Em Os Últimos Dias no Deserto ele especula sobre o que teria acontecido nos 40 dias em que Jesus se afastou do mundo, segundo o roteiro (do próprio cineasta) este foi um período crucial para que Cristo lidasse com seus próprios conflitos e indagações diante da missão que o Deus lhe confiou. No início, Jesus (Ewan McGregor) caminha solitário pelo deserto, lidando com suas angústias que não são apresentadas através de palavras, apenas pelo semblante do personagem. De vez em quando ele precisa lidar com o assédio do Diabo (vivido pelo próprio McGregor) que questiona as ordens de Deus, desejando colocar em dúvida a fé do protagonista em seu pai celestial. Logo Jesus conhecerá um jovem (Tye Sheridan), que o levará para o convívio de sua família, formada pelo pai (Ciarán Hinds) e a mãe doente (a aclamadíssima atriz israelense Ayelet Zurer). São nos dias de convívio com aquelas pessoas, em suas fraquezas, orgulhos e medos que o filme torna-se original por evitar o "sermão religioso" e apresentar o personagem como um homem conciliador capaz de apaziguar a tempestuosa relação entre pai e filho, afinal, o rapaz quer ir para Jerusalém, mas o pai tem outras ambições para ele (o que reflete, em termos, os conflitos do próprio Cristo). O roteiro funciona como uma espécie de conto religioso que é valorizado pelas atuações precisas do elenco, sobretudo de Ewan McGregor que consegue viver um Jesus bastante crível (bondoso, compreensivo, ainda que inseguro entre o mundo e o divino) ao mesmo tempo em que vive outro personagem que representa o mal encarnado numa expressividade completamente diferente (debochado, irônico, corrosivo...). A cena em que Jesus abençoa o personagem de Tye Sheridan consegue ser realmente emocionante dentro da abordagem sutil que o filme se propõe, da mesma forma, ele consegue sobrepor com maestria o início e o final solitário de Cristo - contrapondo a busca de si mesmo com o doloroso propósito de sua existência. Bem realizado em sua simplicidade, o filme evita polêmicas ao apresentar Jesus como um homem de carne e osso e, por isso mesmo, acerta ao construir uma fantasia religiosa muito bem vinda em tempos tão cínicos. 

Os Últimos dias no Deserto (Last Days on the Desert/EUA-2015) de Rodrigo García com Ewan McGregor, Tye Sheridan, Ayelet Zurer e Susan Gray. ☻☻☻

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