sábado, 10 de setembro de 2016

CICLO VERDE E AMARELO: Meu Amigo Hindu

Dafoe e Maria Fernanda: entre dores e amores. 

Acho justo terminar o Ciclo Verde e Amarelo de 2016 escrevendo sobre o último filme do cineasta Hector Babenco, que faleceu recentemente aos 70 anos no dia 13 de julho. O primeiro cineasta latino a ser indicado ao Oscar de melhor diretor (pelo antológico O Beijo da Mulher Aranha/) sempre rejeitou dizer que Meu Amigo Hindu era um filme biográfico, ainda que seja inspirado no período em que enfrentou um doloroso tratamento contra um câncer. Babenco ofereceu o papel do cineasta Diego para vários atores brasileiros - que rejeitaram o projeto - e acabou nas mãos de Willem Dafoe quase que por acaso após um jantar entre diretor e o ator. Por conta do interesse de Dafoe, os atores brasileiros, que já estavam no projeto, tiveram que filmar em inglês para depois dublar suas atuações em português.  No Brasil o filme foi lançado em versões dubladas e legendadas, ambas causando estranhamento do público, mas passada essa sensação, o que vemos é uma obra que demonstra porque Babenco era um cineasta cultuado por cinéfilos ao redor do mundo. Sei que a maioria das pessoas não irá gostar das primeiras cenas do filme (especialmente as do casamento repleto de comentários cortantes), mas vale a pena resistir a esses momentos em que os personagens são apresentados (e Diego visto como uma pessoa um tanto desagradável) e ser compensado por todo o resto. Do período de tratamento nos Estados Unidos, passando pelo retorno ao Brasil e a crise no casamento com a esposa (Maria Fernanda Cândido), o filme tem bons momentos, especialmente quando investe num tom delirante. São nesses delírios que Babenco entrega as melhores cenas, fazendo bonito com o melhor uso dos atores e da bela fotografia. Nesses momentos surreais o destaque fica por conta de Selton Mello, numa variação da Morte que visita Diego no hospital (e com quem joga xadrez), às vezes acompanhado por uma atriz de visual bastante peculiar. Como Babenco não é chegado a convenções, seu protagonista não irá encontrar o sentido da vida, tornar-se uma pessoas mais humilde ou espiritualizada, tão pouco encontrar a redenção, pelo contrário, ele pretende apenas sobreviver e, por conta disso, não deixa de expressar sua personalidade forte, bem distante dos tipos frágeis que aparecem nesse tipo de filme. No entanto, não falta momentos sensíveis em sua jornada, o próprio título se refere a um menino hindu que lhe fez companhia no hospital e que o faz reencontrar o prazer de contar histórias (e as poucas cenas entre os dois alcançam uma ternura que contrasta muito bem com as cenas amargas). Ainda que não seja uma biografia, Babenco empresta muito de sua história pessoal para Diego, da carreira como cineasta ao encontro com a atriz Bárbara Paz (que está ótima, especialmente em sua surpreendente última cena), o filme revisita pontos específicos da vida de seu autor, momentos felizes e outros bastante densos (inclusive quando termina o tratamento e precisa juntar o que sobrou de sua vida) mas, sobretudo, mostra-se uma declaração de amor ao cinema (especialmente por musicais, o que não deixa de ser uma grande surpresa para os fãs do diretor). Se Meu Amigo Hindu não é a obra-prima que muitos esperavam, pelo menos honra a carreira do diretor que sempre escapou do óbvio e ousava provocar a plateia enquanto contava suas histórias numa telona.  Babenco não está mais fisicamente entre nós, mas seu legado o faz eterno.

Meu Amigo Hindu (Brasil/2016) de Hector Babenco com Willem Dafoe, Maria Fernanda Cândido, Selton Mello, Bárbara Paz e Guilherme Weber. ☻☻☻

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