sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Na Tela: As Montanhas se Separam

Tao e o filho: entre a modernidade e as tradições.

Indicado a Palma de Ouro em Cannes no ano passado o filme chinês As Montanhas se Separam conseguiu chamar atenção nas salas brasileiras com uma história que utiliza como pano de fundo as transformações ocorridas na China. Séria reducionista considerar que o filme trata de um triângulo amoroso, quando na verdade, ele investe em abordar algo muito mais complicado e abstrato: a identidade da população chinesa na virada do século. Quem conhece um pouco do sistema sócio-econômico e político do país, irá perceber que o diretor e roteirista Zhangke Jia decora seu filme com várias citações às mudanças que o país passou rumo ao século XXI - algo que é bastante comum em sua cinematografia. Não é por acaso que o filme começa em 1999 com a protagonista Shen Tao (vivida pela carismática atriz Shen Tao, esposa do cineasta) dançando ao som de Go West do Pet Shop Boys antes que conheçamos o tal "triângulo" formado por ela e os amigos Zhang (Yi Zhang) e Liang (Jing Dong Liang). Zhang acabou se formar em direito e já começou a acumular riquezas em sua carreira de empresário, enquanto isso, o humilde Liang ganha a vida trabalhando numa mina de carvão. Os dois são apaixonados por Tao, o que irá comprometer definitivamente a amizade de todos. Quando Liang perde o emprego nas minas de carvão e Zhang torna-se cada vez mais agressivo rumo aos seus objetivos, a plateia começa a imaginar o que acontecerá daqui para a frente... É quando o clima de romance tem um corte (depois dos quarenta minutos de projeção) e aparecem os créditos da abertura do filme. 

Liang e família: só problemas em 2014.

Ali percebemos que o cineasta quer construir partes quase distintas da história que vimos no início, afinal, as montanhas já estão separadas quando nos deparamos com Liang longe dos amigos e tentando tocar a vida até que lhe acontece um golpe do destino. Quando reencontramos Tao ela também não é mais aquela jovem alegre, um tanto desiludida pelas escolhas do passado, ela mal consegue ser amorosa com o filho de sete anos. Vale a pena lembrar que estamos diante de um filme chinês e não americano e, portanto, as emoções estão mais sufocadas, reprimidas à beira do insuportável quando o diretor promove os reencontros de seus personagens. Não satisfeito o filme avança até 2025 e aborda a crise de identidade do jovem Daole (Zijian Dong), também conhecido como Dollar, filho de Tao, que mora na Austrália, fala inglês, não consegue se comunicar com o pai e não lembra de suas raízes chinesas. Ao longo do filme, Zhangke Jia amplia o futuro de um mundo globalizado  (ou seria ocidentalizado? Go West!) onde as raízes se encontram fragilizadas, mas ainda podem ser fonte para descoberta de sua História. As Montanhas se Separam tem a a vantagem de em momento algum se contentar em seguir os caminhos mais convencionais da história que vemos em sua primeira parte. O longa pode incomodar com suas rupturas e abandono dos arcos que apresenta ao longo de suas mais de duas horas de projeção, mas isso é necessário para que suas ambições resulte na obra belamente triste que é, afinal, assim como fora da tela, fica a vontade de saber o que houve com as pessoas que fizeram parte da nossa trajetória pessoal, feita de de encontros e desencontros ao longo do tempo. Talvez por isso, as cenas finais deixem o sabor de que a memória  pode ser um confortável refúgio para o futuro que vislumbramos.

2025: Daole ou Dollar?

As Montanhas se Separam (Shan he gu ren / China - 2015) de Zhangke Jia com Shen Tao, Jing Dong Liang, Yi Zhang, Zijian Dong e Sylvia Chang. ☻☻☻☻

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