domingo, 22 de maio de 2016

Na Tela: O Conto dos Contos

Salma: a rainha mãe.

O italiano Matteo Garrone trabalha com cinema desde 1996, mas ficou conhecido mundialmente depois que ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes pelo violento Gomorra em 2008. O filme foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e causou protestos quando ficou de fora do Oscar. Seu filme seguinte, Reality (2012) repetiu o feito junto ao júri de Cannes, mas não fez tanto sucesso com a trama sobre a obsessão de tornar-se famoso, o filme causou grande repercussão por ser estrelado por um ator que ainda cumpria pena na prisão (o ótimo Aniello Arena). Nas duas obras o diretor deixou claro que não gostava de se repetir - e que sabia ser engenhoso atrás das câmeras. Quando exibiu o recente O Conto dos Contos em Cannes no ano passado, muitos ficaram surpresas pela forma como adaptou a obra do escritor napolitano Giambattista Basile (1566-1632), um dos primeiros a escrever um livro sobre os "contos de fada". O livro O Conto dos Contos foi publicado dois anos após a morte de Basile, contendo as primeiras versões de Cinderela, Bela Adormecida, Rapunzel, entre outras - e deixava claro que as histórias poderiam ser bastante assustadoras até mesmo para os adultos. O filme de Garrone mantém esse espírito sombrio ao escolher três histórias pouco conhecidas para o seu roteiro, sem aliviar os desvios de caráter de seus personagens ou as consequências de suas ações. Longe de ter o clima leve dos filmes da Disney, o filme pode causar estranhamento aos desavisados, mas isso não quer dizer que o resultado não seja mais interessante do que as releituras moderninhas que estão na moda. O filme se concentra em três histórias ambientadas em reinos vizinhos. Em Longtrellis, a rainha (Salma Hayek) está frustrada por não conseguir engravidar. Diante disso, por mais que o rei (John C. Reilly) se esforce para deixá-la feliz, ele não consegue - mas existe uma esperança quando um personagem misterioso aparece e sugere que o rei consiga o coração de um monstro marinho, que ao ser cozido por uma virgem e servido à rainha será capaz de fazer com que a majestade possa gerar um bebê. Aos poucos, o que era para ser uma dádiva torna-se uma maldição pela forma como a rainha lida com o filho e a amizade dele com o filho da tal virgem. 

Toby: com a pulga atrás da orelha. 

Perto dali, o bondoso rei de Highills (Toby Jones) se encanta por uma pulga e a torna seu animal de estimação. O rei ainda tem uma filha adolescente (Bebe Cave) que pensa cada vez mais em casamento - não irá demorar para que ele estabeleça que terá a mão da princesa somente o homem que desvendar um mistério. Nessa história o maior problema será que o Rei sabe o valor da palavra  - e isso poderá desapontar a sonhadora princesa. Já o rei de Strongcliff (Vincent Cassel) só pensa em participar de orgias com suas múltiplas parceiras até que se apaixona pela voz de uma plebeia, mal sabe ele que pertence a uma das solitárias irmãs Imma (Shirley Henderson) e Dora (Hayley Carmichael), que estão muito distantes do padrão de beleza que o rei aprecia (mas que farão de tudo para não perder a oportunidade que aparece). Filmado na Itália, com figurinos marcantes e direção de arte bem cuidada, Garrone escolheu atores que transitam em Hollywood para fazer seu primeiro filme em inglês. Embora conte com ingleses, americanos, uma atriz mexicana e um astro francês, o diretor consegue construir uma forte identidade à costura das histórias paralelas que tem em mãos. Embora deixe claro o viés da "moral" de cada história, ele surpreende quando pontua seu filme com cenas que oscilam entre o sublime (a ruiva dormindo na floresta), o surrealismo (a cena em que a rainha devora o coração do monstro) e o horror (a cena da caverna ou o triste destino de Dora), as cenas servem para retirar o filme do lugar comum que alguns filmes de fantasia costumam se acomodar. Com seu humor estranho e as ousadias visuais, O Conto dos Contos não é perfeito, mas torna-se um programa muito interessante para quem procura conhecer um diretor ousadamente criativo e ainda pouco reconhecido por aqui.  

Cassel e Stacy: quase a Venus de Botticelli.  

O Conto dos Contos (Il Racconto dei racoonti - Itália/França/Reino Unido/2015) de Matteo Garrone com Salma Hayek, Toby Jones, John C. Reilly, Vincent Cassel, Shirley Henderson, Hayley Carmichael, Stacy Martin, Christian Lees, Jonah Lees e Bebe Cave. ☻☻☻

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