quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Na Tela: Foxcatcher

Tatum e Carrell: relacionamento perigoso.

Foxcatcher (me recuso a acrescentar o aposto "Uma História que Chocou o Mundo" que o título recebeu no Brasil)seria lançado ao final de 2013 para concorrer aos Oscars do ano passado, mas os produtores ficaram tão otimistas com o resultado do novo filme de Bennett Miller (Capote/2005 e do superestimado O Homem que Mudou o Jogo/2011) que resolveram guardar o filme para que ele fosse exibido pela primeira vez no Festival de Cannes (em maio de 2014) e começasse sua trajetória rumo às premiações. O filme recebeu o prêmio de melhor diretor no Festival francês e termina sua trajetória com cinco indicações ao Oscar: ator (Steve Carrell), ator coadjuvante (Mark Ruffalo), roteiro adaptado, maquiagem e direção, mas ficando de fora do páreo de melhor filme (já que esse ano a Academia resolveu indicar somente oito produções na categoria mais cobiçada da noite do dia 22 de fevereiro). O que aconteceu de maio para cá foi que a produção começou a receber críticas pela forma como o Miller conta o estranho envolvimento do milionário John du Pont (Carrell) com os irmãos lutadores de luta-livre Dave (Ruffalo) e Mark Schultz (Channing Tatum), ambos premiados em campeonatos mundiais e medalhistas olímpicos. Ambientado na década de 1980, o filme aborda como o interesse de du Pont pelo esporte o aproximou dos irmão Schultz, especialmente de Dave. Convidando os dois para treinar atletas nas instalações de sua fazenda Foxcatcher, somente Dave aceitou o convite. Foi o primeiro passo para um relacionamento desastroso. Du Pont era um sujeito estranho, vivia numa espécie de mundo bastante particular, onde sua mãe, Jean du Pont (Vanessa Redgrave) parecia dar mais atenção aos cavalos de raça do que ao desenvolvimento do filho. Enquanto ele investia dinheiro em atletas sobre o tatame, Jean reprovava profundamente o interesse do filho pelo esporte, por considerar sua prática algo vulgar (e os motivos para isso ficam bem claros numa cena evocativa da sexualidade reprimida de seu filho). As excentricidades de John (com direito a vícios e invenção de apelidos patéticos para si mesmo) servem como uma espécie de ímã para Dave que necessitava do reconhecimento sem estar à sombra do irmão esportista (e mais expressivo). Em contraponto com a habilidade para o esporte, Dave tinha uma dificuldade enorme de verbalizar o que sentia (e nesse ponto, Channing Tatum está bastante convincente na interiorização das emoções do personagem e, se fosse indicado ao Oscar, não seria o equívoco que alguns imaginavam), mas John surge como um mistro de mentor e protetor, que gradativamente quase leva seu protegido à ruína nos preparativos para as Olimpíadas de Seul (1988). Alguns criticam Bennet Miller pela frieza com que conduz seu filme, algo tão latente que alguns reclamam da relação de John e Dave ficar demais nas entrelinhas, mas não vejo sua abordagem como um equívoco. Foxcatcher quer mesmo ser um filme sombrio, melancólico e desolador, sem os exageros que poderia desandar as intenções do diretor - mais preocupado com a forma dos personagens se encaixarem nas lacunas emocionais um do outro. Se a forma tem sido criticada, todos reconhecem que Miller é um exímio diretor de atores. Seria uma maldade sem tamanho diminuir a interpretação de Carrell à sua maquiagem - o ator, famoso por trabalhar em comédias, faz um trabalho de corpo impressionante no jeito de andar, de sentar, de olhar... sua atuação consegue compor um sujeito tão interessante como uma grande interrogação. Da mesma forma, Tatum sustenta a aparência de brucutu, mas com fragilidade emocional palpável a cada cena - mas as premiações preferiram celebrar Mark Ruffalo numa atuação que parece simples, mas é bem diferente das que estamos acostumados a vê-lo (ele parece ser a única fortaleza em cena), mas de total cumplicidade com seu irmão em cena. Ainda que não agrade a todos, Foxcatcher mostra que o cinema de Bennett Miller tem virtudes bastante específicas, principalmente quando tudo exala o lado sombrio dos seus personagens, inclusive o que não é dito. 

Foxcatcher (EUA/2014) de Bennett Miller com Steve Carrell, Channing Tatum, Mark Ruffalo, Vanessa Redgrave, Sienna Miller, Anthony Michael Hall e Brett Rice. ☻☻☻

Nenhum comentário:

Postar um comentário