quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Combo: Beatniks

O movimento Beat foi marcante no mundo artístico-cultural do pós-guerra, nele a prosa despojada marcava histórias sobre sexo, drogas e álcool eram mescladas à uma certa desilusão com as convenções literárias do período. Os escritores que construíram esse estilo se tornaram vozes de uma geração e, recentemente, o cinema americano parece ter redescoberto esse universo. Ser beatnik não era apenas ser "boêmio rebelde", mas questionar politicamente as bases de algumas convenções que serviam de base para a cultura dos EUA. Esse combo é um pouco diferente, já que optei por escrevê-los dentro de uma cronologia e não por gosto pessoal: 

01 Versos de Um Crime (2013) Imagine que na década de 1940 a Universidade de Columbia era cursada por ícones do Movimento Beat em plena efervescência hormonal e - com a identidade sendo construída junto com a voz literária de cada um. Isso poderia render um grande filme, mas o diretor John Krokidas, ao colocar Allen Ginsberg (Daniel Radclliffe), Jack Kerouac (Jack Huston) e William Burroughs (Ben Foster) no mesmo lugar, preferiu explorar a atração que Ginsberg nutria por Lucien Carr (Denis DeHaan) - pelo menos até que esse muso iconoclasta se envolvesse num crime. Versos de Um Crime poderia ser um filme melhor se, subitamente, o julgamento da homossexualidade não se tornasse mais importante que a literatura. Assim, a gênese beatnik aparece quase reduzida aos hormônios da juventude inconsequente.  

02 Uivo (2010) Baseado no antológico livro de 1956 lançado por Allen Ginsberg,  o roteiro escrito e dirigido por Rob Epstein e Jeffrey Friedman  transpõe a obra para o cinema mesclando cenas de animação, passagens da vida de Ginsberg (encarnado por James Franco), narrativas em off e entrevistas dramatizadas. Franco tem uma atuação espetacular, reproduzindo até o tom profético que Ginsberg imprime à sua obra. Por versos como "Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca uma dose violenta de qualquer coisa...", O livro foi apreendido pouco depois de seu lançamento e julgado por ser considerado obsceno - e o filme, em uma de suas várias camadas, retrata esse julgamento da arte de seu autor. Sem medo de ser multifacetado, Uivo é o melhor filme dessa lista. 

03 Na Estrada (2012) Fazia tempo que Hollywood queria levar para as telas a versão do livro do clássico de Jack Kerouac, lançado em 1957, On the Road tornou-se  a Bíblia dos beatniks - e criou polêmica com sua prosa espontânea que busca reproduzir o fluxo da consciência de seu autor. O livro mistura sexo, drogas e álcool ao conceito de liberdade de dois amigos que cruzam os EUA de automóvel. Está na cara porque era tão difícil levar o filme para as telas, mas um brasileiro (que não desiste nunca) o fez! Walter Salles exibiu seu filme em Cannes e dividiu opiniões (vale lembrar que nem o livro é uma unanimidade perante a crítica) com a jornada de Sal Paradise (Sam Riley como alter ego de Kerouac) e Dean (Garrett Hedlund alter ego de Neal Cassady) contra as convenções do sonho americano. Apesar da produção caprichada e dos bons momentos do elenco (até Kirsten Stewart parece ter vida), Na Estrada padece por não dar força ao contexto da época, construindo quase um universo paralelamente oco em que transitam os personagens. O que era para ser uma viagem prazerosa se tornou um tanto tediosa...

04 Mistérios e Paixões (1991) Considerado infilmável por muitos, Naked Lunch  de William Burroughs foi editado pela primeira vez em 1959 e chamou atenção por suas mais de duzentas páginas de escrita solta, tramas paralelas,  bizarrices e escatológias. Somente um doido como David Cronenberg para ter coragem de levar esse emaranhado de ideias para o cinema com um verniz de filme noir surrealista. Bill Lee (o Robocop clássico Peter Weller) é um escritor fracassado que ganha a vida como dedetizador de insetos. Mas até essa carreira pouco empolgante está ameaçada, já que o produto que utiliza está acabando porque sua esposa viciou-se no produto. Incentivado por ela (Judy Davis, bem esquisita) ele experimenta o produto e dá início a uma viagem alucinógena repleta de criaturas grotescas. Cronenberg mistura Lee e Burroughs numa jornada ainda mais complicada que o livro - e instiga o espectador a embarcar no delírio da junção simétrica dos universos (um tanto desagradáveis) do cineasta e do escritor.    

05 Big Sur (2013) Lançado em 1962, o livro homônimo de Jack Kerouac tem um certo sabor de obituário. Com base nos retiros de Kerouacs na paradisíaca região de Big Sur (região central da Califórnia), Jack tenta se recuperar de sua deterioração física e psicológica no contato com a natureza - além de fugir do sucesso conquistado com a publicação de On The Road. Kerouac aparece mais velho (vivido por Jean Marc Barr) e um tanto amargurado com o resultado de sua obra e expectativa (rejeitando o título de "Pai dos Beatniks" e até a existência de um movimento Beat). Além disso, reencontra amigos (como o casal Neal Cassady, vivido por Josh Lucas e Carolyn Cassady, vivida por Radha Mitchell - papel que foi de Kirsten Dunst na versão de Na Estrada) enquanto lida com seus fantasmas. Seus conflitos vão atrapalhar seu envolvimento com com a romântica Willamine (Kate Bosworth). Big Sur funciona como uma espécie de ressaca após tudo o que vimos nos filmes anteriores dessa lista. 

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