quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Na Tela: Amantes Eternos

Hiddleston e Swinton: vale a pena viver para sempre?

Jim Jarmush é um verdadeiro ícone do cinema independente americano. Embora a maioria de seus filmes sejam desconhecidos do grande público, seu prestígio atrai atores consagrados (que chamam atenção da mídia) para filmes baratos (o suficiente para gerar lucro). Seus filmes tem uma atmosfera despojada invejável, beirando o pop. Essa atmosfera pode ser caracterizada por juntar estrelas variadas (como Sobre Café e Cigarros/2003 e Flores Partidas/2005) ou de tipos recorrentes no cinemão Hollywoodiano abordados sobre uma ótica diferente (seja o samurai negro contemporâneo de Ghost Dog/1999 ou o rapaz procurado na faroeste Dead Man/1995). Amantes Eternos enquadra-se no segundo grupo, já que o diretor explora uma figura mitológica do horror, os vampiros. O casal Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Swinton) são criaturas da noite, mas não espere efeitos especiais ou sustos, Jarmush tem interesse no tom existencialista que os vampiros podem ter ao viver no século XXI. Especialmente por viverem há séculos (nunca fica claro quando o casal começou a existir) e presenciado várias mudanças na humanidade, seja no campo sócio-economico e cultural. Adam e Eve são muito cultos, enquanto ele ganhou fama como roqueiro e agora busca o anonimato vivendo num bairro abandonado de Detroit, Eve encontra sossego em Tanger, uma cidade ao norte do Marrocos em meio a muitos livros e ornamentos orientais. Embora morem em lugares distintos, os dois sustentam o casamento há tempos mediante as tendencias suicidas de Adam e a compra clandestina de sangue em hemocentros hospitalares. É numa dessas crises depressivas de Adam (marcada por músicas de guitarras distorcidamente fúnebres) que Eve embarca para os EUA para evitar que ele faça alguma bobagem. Jarmush pontua com classe o apelo que o sangue possui para os seres da noite, mas deixa mais latente é a sede que ambos sentem de cultura num mundo devastado. Não é por acaso que seus passeios noturnos (afinal, não podem se expor à luz do dia) apresentam uma Detroit deserta, com prédios abandonados e belas construções deterioradas pelo tempo - mas enquanto Eve acredita que a cidade ainda pode se transformar, Adam está desiludido com o que os "zumbis" (a forma carinhosa a que se refere aos homens e mulheres comuns) fizeram do mundo em geral - tanto que depois de alcançar a fama, o personagem tem contato com a civilização somente através de um ajudante, o grunge Ian (Anton Yelchin), um zumbi que é encarregado de conseguir os objetos solicitados por ele (que inclui uma bala de revólver, talhada em madeira sagrada). O ritmo lento pode incomodar alguns, mas os diálogos espertos merecem atenção, sobretudo quando o casal cita sua convivência com personalidades ilustres como o Albert Einstein, Lord Byron (que Eve considerou uma péssima influência para o esposo), Darwin, Shakespeare e a repercussão tortuosa de suas obras no mundo. Adam e Eve parecem um tanto deslocados no mundo atual e a ameaçadora presença do sangue contaminado compromete suas existências regradas - assim como a visita de Ava (Mia Wasikowska, bem diferente) que altera o equilíbrio da eternidade do casal. As reflexões da dupla lembram um pouco a fase mais amarga de Lestat em Entrevista com o Vampiro (1994) - ressaltando que ele também foi um roqueiro no grotesco A Rainha dos Condenados (2002) - mas embebidas de uma espécie de fadiga narrativa que combina com o ponto da eternidade em que os personagens imortais se encontram. No entanto, somente um diretor como Jarmush poderia gerar cenas tão interessantes (e estranhas) como o êxtase orgásmico ao beber sangue ou a última, onde o casal (valorizado pela escolha certeira dos atores) faz até o lado mais ameaçador dos vampiros ser um ato de romantismo. Trata-se de mais um filme de Jarmush destinado a ser cult.

Amantes Eternos (Only lovers Left Alive/Reino Unido - Grécia - França/2013) de Jim Jarmush com Tilda Swinton, Tom Hiddleston, Anton Yelchin, Mia Wasikowska e John Hurt. ☻☻

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