segunda-feira, 30 de setembro de 2013

NªTV: Top of The Lake

Wright e Moss: romance, boas atuações e mistérios. 

Jane Campion faz parte do seleto clube de diretoras respeitadas mundialmente, mesmo que seus filmes mais recentes não tenham criado grande comoção entre público e crítica (Em Carne Viva/2003 e Brilho de Uma Paixão/2009), seus trabalhos são marcados por personagens femininas fortes defendidas por atrizes mais do que competentes. Embora sua obra-prima continue sendo O Piano (1993), seu trabalho na série Top Of The Lake (ao lado do roteirista Gerard Lee) promete ficar entre seus melhores momentos de inspiração. Em entrevistas, Campion deixou claro que rendeu-se à TV por ter percebido que havia produtores interessados em se arriscar em histórias originais que, na grande maioria das vezes, espanta os produtores de cinema. Da mesma forma, foi categórica em afirmar que Top of The Lake é um filme com seis horas de duração, só que distribuída em sete capítulos. O Canal HBO/MAX está exibindo os capítulos no Brasil semanalmente e o quarto episódio irá ao ar nesta quarta às 22h, logo após a exibição dos três anteriores. A trama é ambientada numa pequena cidade da Nova Zelândia, onde uma menina é vista tentando o suicídio num lago da montanhosa região. O caso chama ainda mais atenção quando se descobre que a menina de doze anos está grávida. Esse fato chama atenção da detetive Robin Griffin (Elizabeth Moss), especialista em caso de abusos de crianças. Griffin suspeita de todos os homens da região, especialmente do pai da garota, Matt (Peter Mullan), que junto a dois filhos controla o tráfico de drogas da região. As coisas complicam mais quando a menina desaparece e Robin terá que encontrá-la com a ajuda do detetive local, Al Parker (David Wenham) - que ao contrário dela, parece estar mais interessado em manter alguns segredos da cidade intocados. Paralelo a isso, acompanhamos alguns dramas de Robin: os conflitos com o casamento que se aproxima (e o distanciamento do noivo), uma recaída por um amor de adolescência, Johnno (Thomas M. Wright), além do câncer que devora sua mãe. Para dar conta de tantos artifícios, o talento de Elizabeth Moss é um porto bastante seguro. Famosa pelas seis temporadas da série  Mad Men - e boa atriz desde os tempos em que fazia participações pequenas em filmes como Garota, Interrompida/1999, Moss consegue traduzir todas as emoções de sua personagem sem esforço aparente. Cada gesto, olhar e suspíro são precisos na construção da personagem. Conforme Robin estuda as fissura em torno dos crimes envolvendo a jovem grávida a série se aproxima da clássica Twin Peaks, criada por David Lynch e que inaugurou o flerte da TV com o cinema. Ao mostrar os moradores estranhos da pacata cidadezinha, a série parece abraçar o que The Killing preferiu deixar de fora: um estranhamento levemente bizarro sobre os fatos (e a belíssima abertura confirma essa sensação).  Neste ponto estranho, a série ainda marca o reencontro de Campion com Holly Hunter, a oscarizada estrela de O Piano. Hunter faz uma espécie de guia espiritual chamada GJ, que é seguida por mulheres que sofreram por amor. GJ escolhe morar nas redondezas por conta de uma região conhecida como Paradise (onde acredita-se que existia o Jardim do Éden, Adão, Eva, a Serpente...). Ao espectador, cabe acompanhar os momentos em que os mundos paralelos dos personagens se encontram rumo às perguntas de Robin Griffin sobre o caso da garota desaparecida. De acabamento refinado, o formato de série caiu como uma luva para que Campion desenvolvesse seus personagens e subtramas sem pressa. O resultado consegue ser bastante instigante, nos deixando ansiosos pelo episódio seguinte. Tantos méritos fizeram com que a série fosse indicada a oito prêmios EMMY em 2013. 
O elenco e Campion (com Holly no colo): rendendo-se à TV. 

Top Of The Lake (Austrália/Nova Zelândia/Reino Unido-2013) de Jane Campion e Gerard Lee com Elizabeth Moss, Peter Mullan, Holly Hunter, David Wenham e Thomas M. Wright. ☻☻☻☻

domingo, 29 de setembro de 2013

N@ CAPA: HITCHCOCK / 2008


Alguns amigos pediram para eu escrever alguma coisa sobre as fotos que coloco de fundo ao título do blog e achei que outras pessoas poderiam ter essa curiosidade. A que está no blog há alguns meses são recortes de fotos de uma edição especial da Vanity Fair de março de 2008 onde atores da Hollywood atual encarnam cenas de seus maiores clássicos. Existem resultados curiosos, como o uma raramente sexy Renée Zellwegger em Vertigo (1958), uma mistura atraente de Scarlett Johansson e Javier Bardem em Janela Indiscreta (1954), a nada frágil Jodie Foster em Os Pássaros (1963), Emile Hirsch e James McAvoy em Pacto Sinistro (1951), uma ainda mais bela Naomi Watts em Marnie (1964), o rechonchudo Seth Rogen exercitando Intriga Internacional (1959) e Charlize Theron em risco com Disque M Para Matar (1954). Aproveito a oportunidade para postar as três outras que ficaram de fora: Um Barco e Nove Destinos (1944) e sua tropa de estrelas, uma versão Pots/Stark de Ladrão de Casaca (1955), um encontro de gerações em Rebecca (1940) e Marion Cotillard encontrando o chuveiro de Psicose (1960). 

 Josh Brolin, Casey Affleck, Ben Foster, Julie Christie...

Iron Man?

Knightley apreciando a imponência de Jennifer Jason Leigh

O mundo fica pior sem Marion Cotillard!

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

KLÁSSIQO: Shampoo

Christie e Beatty: as confissões de Warren. 

Tem caras que parecem ter nascido com uma sorte inexplicável, um deles é Warren Beatty. Lembro quando ele filmou Dick Tracy (1990) e toda a mídia só falava do namoro entre ele e Madonna (que estava no auge). Naquela época, eu pensava que deveria ser muito bom ser Warren Beatty. Foi nessa época que descobri que o cara tinha namorado a maioria das mulheres mais cobiçadas de Hollywood desde o tempo em que era apenas o irmão de Shirley MacLaine. Imaginem agora o estrago que ele fez depois de ter ganho cada vez mais espaço na indústria cinematográfica? Hoje ele é casado com a escolada Annette Bening num dos casamentos mais admirados de Hollywood, mas na época me que encarnou o cabeleireiro garanhão de Shampoo, todos juravam (inclusive ele) que jamais uma mulher o fisgaria. Talvez por conhecer um pouco da fama de Beatty fora das telas e ver sua assinatura no roteiro desta comédia, que senti um certo sabor confessional em minha apreciação. Partindo da subversão do estereótipo de que todo cabeleireiro é gay, o filme apresenta George (Beatty) como um sujeito irresistível. Além de sua quase compulsiva vontade de fazer sexo com toda mulher que passa em sua frente, ele ainda é capaz de tornar beldades ainda mais atraentes no trato com os cabelos! George tem uma namorada, a adorável Jill (Goldie Hawn, digna de Oscar), mas não se incomoda de traí-la com uma mulher rica, Felicia (a pouco lembrada Lee Grant, que levou para casa o Oscar de coadjuvante), com a filha desta (vivida por Carrie Fisher antes de ser a Princesa Leia de Star Wars/1977) e até com uma ex-namorada, Jackie (Julie Christie) que cruza seu caminho quando ele busca patrocínio para abrir o seu próprio salão. Se envolver-se com tantas mulheres ao mesmo tempo já traz problemas, imagine se três delas estão envolvidas com o patrocinador do salão? Pois George, precisa convencer o esposo de Felícia, Lester (Jack Warden) que seria lucrativo investir no salão enquanto deve ajudá-lo a cuidar da amante, a temperamental Jackie. Visto hoje, o filme deve ter perdido muito do impacto que provocou em 1975 e algumas piadas bem sacadas devem passar sem ser notadas pela plateia do século XXI. Da forma como o filme brinca com a fama de Beatty, passando pela forma como ele carrega o secador de cabelo como se fosse uma arma, ou a cena em que cria trejeitos para se safar de um flagra, o espectador pode achar tudo meio bobinho demais. Talvez o ápice da narrativa seja a cena das duas festas totalmente opostas em que os personagens se metem lá pela metade da sessão. Uma é a impagável festa para comemorar a eleição de Nixon (onde os republicanos são alvo de todo tipo de deboche, além da claro dedo na ferida do falso moralismo). A outra é uma festa meio hippie, com drogas, sexo e rock'n roll, como se o filme exibisse os dois mundos que se colidiam na cultura americana da época. Colocar George transitando nesses dois mundos e atiçando a libido em ambos não acontece por acaso (afinal trata-se de um filme de Hal Ashby, que assinou o clássico Ensina-me a Viver/1971). Da mesma forma, inserir o "conservador" Lester em posturas diferentes nas festas também não deixa de ser uma provocação à sociedade americana da época e seu sempre maleável senso de oportunismo - ou seria hipocrisia? São essas entrelinhas que deram ao filme uma aura cult, valorizada ainda mais com as 4 indicações que teve ao Oscar, inclusive a de melhor roteiro (escrito por Robert Towne e Beatty) para o seu, aparentemente, desconexo trabalho. 

Shampoo (EUA-1975) de Hal Ashby com Warren Beatty, Goldie Hawn, Julie Christie, Jack Warden, Lee Grant e Carrie Fisher. 

DVD: A Morte do Super Herói

Aisling e Thomas: crônica de uma morte anunciada

Filmes sobre doentes terminais costumam ter uma fórmula já gasta. Na grande maioria das vezes, o sucesso do filme depende mais do ator escolhido para o papel do que qualquer outra coisa. No entanto, A Morte do Super-Herói além de ter um bom ator no alto dos créditos, ainda tem um diretor que tentou fugir do lugar comum. Thomas Brodie Sangster estreou nos cinemas como o filho de Liam Neeson, aos 12 anos de idade, em Simplesmente Amor (2003). Até aquele momento ele era um ator mirim até conhecido por seus papéis em produções para a televisão inglesa. Hoje, ele já coleciona 36 produções televisivas e cinematográficas no currículo (entre elas os elogiados Brilho de Uma Paixão/2009 e O Garoto de Liverpool/2009). Com o passar do tempo, aos 23 anos, Thomas está longe de ter aparência de galã, mas já mostra ser um ator com competência para carregar um filme nas costas. A Morte do Super Herói fez sucesso em alguns festivais, especialmente entre o público jovem, ao lidar com a história de um adolescente de quinze anos que está com os dias contados devido a um tipo de câncer. Mais do que o drama com a saúde do personagem, o filme se torna uma história universal ao anabolizar a intensidade juvenil de lidar com todo tipo de questões, especialmente as mais delicadas. Mais do que centrar a narrativa na família do jovem Donald (Sangster), o filme utiliza a linguagem dos quadrinhos para lidar com elementos como força, mortalidade e sexo. Mais do que um passatempo, os desenhos de Donald expressam suas angústias, que, na grande maioria das vezes, não consegue expressar oralmente, apenas com explosões de ira ao deparar-se com o choque de suas expectativas e a limitada vida que lhe resta. Para além da mãe que não enxerga que o tratamento do filho está fadado ao fracasso, do pai permissivo, do irmão que quase não se envolve com os dramas do mano, o filme se concentra mais na relação do personagem com um psicológo especialista em pacientes que precisam lidar com a morte (Andy Serkis, mais famoso por emprestar seu corpo para a captura de movimentos em filmes como Senhor dos Anéis e Planeta dos Macacos - A Origem) e com uma garota nova na escola (Aisling Loftus), forte candidata a interesse amoroso do mocinho. Demonstrando sensibilidade ao lidar com assuntos complicados (até mesmo quando resolvem que Donald precisa perder a virgindade com uma prostituta), o filme consegue equilibrar-se no frescor das analogias que os quadrinhos permitem no decorrer da trama.  A certa altura, o temperamento de Donald exibe as semelhanças de si mesmo com seu personagem vilanesco e com o heróico. É nessa disputa interna entre o bem e o mal perante a inevitável mortalidade que o filme se torna uma obra mais interessante do que a maioria dos filmes do gênero. Nessa jornada que o espectador acompanha, merece destaque a atuação de Thomas Brodie Sangster, que abraça, sem pudores, as qualidades e defeitos do personagem, o tornando irresistivelmente humano e mortal como todos nós. 

A Morte do Super-Herói (Death of Super Hero/Alemanha-Irlanda/2011) de Ian Fitzgibbon com Thomas Brodie Sangster, Andy Serkis, Aisling Loftus, Peter Sexton e Killian Coyle. 

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

FILMED+: À Procura de Sugar Man

Rodriguez: um público em busca de seu porta-voz. 

Acredito que a vida de todos nós daria um filme, o difícil seria escolher um gênero em que se enquadrasse melhor. Talvez a saída menos complicada seja fazer um documentário, juntar relatos de pessoas sobre você, comentários sobre as suas proezas e talvez até alguns mitos que não deixaria os espectadores saberem o que é real e o que foi um boato que serviu para construir um mito. O mais difícil seria o documentário de nossa vida ser momentos tão envolvente quanto neste À Procura de Sugar Man. Vale ressaltar que ser envolvente ou não depende menos de nossa história e mais da forma como ela é contada, neste quesito o filme baseado na trajetória de Sixto Rodriguez é um primor. É verdade que você pode encontrar algumas críticas ferrenhas ao filme na internet, mas quem ainda não aprendeu que documentário, apesar de lidar com fatos reais, é um olhar subjetivo sobre um tema? O filme gira em torno de Rodriguez, um cantor promissor dae Detroit da década de 1970 - as comparações com Bob Dylan são inevitáveis, mas as vendas do rapaz nunca decolaram. Rodriguez acabou lançando apenas dois álbuns  que lhe garantiram boas críticas, uma precoce aposentadoria e vários comentários sombrios sobre sua morte. Não faltam pessoas que contam que tornou-se um sem-teto, ou que insatisfeito com a carreira acabou cometendo suicídio na frente da plateia atônita. Uns dizem que um tiro na cabeça acabou de vez com sua carreira, outros dizem que o tom foi mais dramático: jogou gasolina em seu corpo e ateou fogo em si mesmo sobre o palco. Talvez se Rodriguez soubesse de seu enorme sucesso na África do Sul isso não houvesse acontecido. Pois é, apesar do fracasso de vendas nos EUA, os discos de Rodriguez vendiam como água na África do Sul. Baseado em depoimentos de fãs sul africanos (todos brancos, o que indica que tornou-se um ídolo para brancos liberais do país), o filme mostra como a música desse ilustre desconhecido caiu como uma luva aos protestos anti-apartheid, ditando tendências musicais, comportamentos e  inspirando centenas de fãs a lutarem por uma causa. O curioso é que, como tudo indica, o sucesso do cantor aconteceu por meio da venda de milhões de cópias piratas ou contrabandeadas de seus álbuns (a situação da gravadora na situação nunca fica clara) - mesmo com algumas de suas canções sofreram censura das autoridades. Sem a internet ou uma mídia que cultuasse celebridades, Rodriguez tornou-se um ídolo de vendas maiores do que Elvis Presley e os Beatles naquele país, embora ele nem imaginasse. A partir de tanto sucesso, tornou-se inevitável que algumas pessoas procurassem por sua verdadeira história, o ponto de partida da investigação tornou-se o destino do dinheiro das vendas de seus trabalhos. Com o advento da internet na década de 1990 e algumas matérias em revistas o ponto de interrogação em torno de Rodriguez acabou chamando atenção ao ponto de notícias reais sobre ele aparecerem. Neste momento é difícil não se emocionar com a jornada desse personagem real. À Procura de Sugar Man recebeu vários prêmios merecidos (entre eles o Oscar e o BAFTA de melhor documentário) e merece ser visto como a jornada de um artista incompreendido que estava fora do seu lugar no mundo. Penso no longa como uma poderosa celebração à arte e como ela é capaz de unir pessoas tão distantes a partir de ideias convergentes. Ainda que possam acusá-lo de manipulador (e qual documentarista não o é?) o diretor Malik Bendjelloul escapa do lugar comum e cria um filme extremamente envolvente (com uso de película, super 8, vídeo, computação gráfica e até câmera de celular!) sobre a  redenção de um artista. 

À Procura de Sugar Man (Searching for Sugar Man/Suécia-Reino Unido-EUA-2013) de Malik Bendjelloul. ☻☻☻☻☻

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

DVD: Raiva

José e Rosa: a raiva vive no sótão. 

Considero bastante nobre quando um diretor consagrado  investe em pequenas produções de cineastas desconhecidos. Se a produção é de um país onde a cinematografia tem problemas com a distribuição, a ação se torna mais nobre ainda! Guillermo del Toro já recebia elogios por seus filmes em língua espanhola (como o celebrado A Espinha do Diabo/2001) e investidas no cinema de ação (Blade II em 2002 / Hellboy em 2004), mas nada que se comparasse à repercussão do magnífico O Labirinto do Fauno (2006). No entanto, o diretor sempre deixou claro seu gosto em produzir filmes menores com toques de suspense. Por isso o filme Raiva do equatoriano Sebastián Cordero lhe cai como uma luva. Baseado na obra de Sergio Brizzio (mesmo autor do conto que deu origem ao argentino XXY de 2007), o filme tem toques de romance e suspense ao contar a história do casal de colombianos José Maria (Gustavo Sánchez Parra) e Rosa (Martina Garcia) que vivem na Espanha. Ele ganha a vida como pedreiro, ela é doméstica no casarão de um casal de idosos, os Torres. Apesar da sintonia, torna-se evidente o ciúme que José tem da bela namorada, bastando um comentário masculino sobre ela para que ele se torne violento. É num desses momentos de cabeça quente que ele acaba cometendo um crime. Sem ter para onde ir, ele acaba se refugiando na casa onde sua namorada trabalha - mas sem que ela saiba que ele está lá. Essa vida em segredo de José Maria é o que garante o suspense do filme, já que ele precisa sempre se esconder dos outros moradores da casa enquanto está no limite para revelar-se à amada. Pode até parecer um absurdo que os Torres não percebam que tem um desconhecido morando acima de suas cabeças, mas como uma parte da casa está abandonada e precisando de reformas, a plateia até que se convence. É interessante também a forma como José se comunica com Rosa por outro telefone da casa, sempre com discursos sobre saudade e se desculpando pela bobagem que cometeu. Embora a tensão brote do personagem se esconder dos demais, Cordero prepara aos poucos o momento em que a permanência de seu protagonistas chegará ao limite, seja pelos assédios do filho dos patrões sobre a namorada, ou quando a família pretende dedetizar a casa. O filme consegue gerar momentos de horror e angústia com poucos personagens e um único cenário, além de possuir um convincente verniz romântico. Porém, o diretor derrapa perto do final. Raiva poderia ser um filme brilhante se não começasse a investir no mais rasteiro melodrama em seu arremate, tanto que a cena final beira o risível. Nesse momento, temos que lembrar das boas atuações e da eficiência narrativa apresentada até ali para sanar o gosto de desapontamento. Vale ver o filme enquanto aguardamos que o primeiro filme hollywoodiano do diretor, Europa Report (estrelado por Sharlto Copley e Michael Nyqvist) estreou em junho nos EUA e recebeu elogio dos apreciadores de ficção científica. 

Raiva (Rabia / Colômbia-México-Espanha/2009) de Sebastián Cordero com Martina García, Gustavo Sánchez Parra,  Tania de La Cruz, Javier Toloza e Àlez Brendemühl. 

DVD: Inimigos de Sangue

McAvoy: durão e tirando água do joelho. 

Devo admitir que ainda me surpreendo quando vejo o escocês James McAvoy protagonizando um filme de ação - tanto quanto me surpreendi quando suas atuações em O Último Rei da Escócia (2006) e Desejo e Reparação (2007) passaram em branco no Oscar. James já provou que pode encarnar tipos românticos e sofridos em seus filmes, no entanto, mesmo realizando cenas de ação no alucinado O Procurado (2008) e sendo o jovem Professor Xavier em X-Men: Primeira Classe (2011), sua estreia no tipo durão do gênero é nesse Inimigos de Sangue. É proposital que McAvoy pareça jovem para o papel de policial durão, assim como suas qualidades como ator são logo percebidas quando precisa exalar confiança mesmo nos momentos mais escorregadios da trama concebida pelo diretor e roteirista Eran Creevy. Em seu segundo longa metragem, Creevy, assim como no filme anterior (o celebrado Shifty  de 2008), ambienta sua trama no mundo criminal londrino e trabalha com os atores Daniel Mays e Jason Flemyng em cena. Inimigos de Sangue narra a perseguição promovida pelo detetive Max Lewinsky (McAvoy) ao criminoso Jacob Sternwood (Mark Strong), a trama se inicia numa vertiginosa perseguição de Max a Jacob, que tem seu ápice num terrível tiro no joelho que compromete a locomoção do agente para sempre (assim como rende aflitivas cenas de retirada de fluido do joelho). A chance de Max rever seu algoz aparece quando o filho de Sternwood é vítima de uma conspiração e é internado num hospital entre a vida e a morte. Essa situação traz o criminoso para fora do seu seguro exílio pessoal e o coloca na mira dos policiais enquanto busca os responsáveis pelo que aconteceu ao filho. É interessante como o roteiro arma caminhos para que Max e Jacob se encontrem e acabem buscando juntos o responsável pelo que aconteceu, a aliança até descobre um comprometedor esquema de corrupção. Embora a narrativa seja ágil (até demais) o roteiro é bastante confuso, talvez na pressa de envolver os fãs do gênero, o diretor tenha deixado de trabalhar alguns aspectos que serviriam para compreendermos melhor as motivações dos personagens. Não fosse as boas atuações de McAvoy e Mark Strong (na pele de um vilão com mais nuances do que acostumamos a vê-lo), dificilmente iriamos engolir a aliança que se estabelece entre os dois personagens. É verdade que o filme tem cenas de tiroteio bem filmadas (e até perdoo aquela posuda câmera lenta em determinado momento) e momentos em que o diretor investe no tom inusitado digna de Quentin Tarantino (a cena com a avó de bandido é tão hilária quando arrepiante), mas ele poderia ter respirado um pouco e mostrado ao espectador que seu filme de ação tem algo a mais. Esse algo a mais fica evidente na escalação do elenco (que conta ainda com a ótima Andrea Riseborough como parceira de Max, David Morrissey, os veteranos Peter Mullan e Ruth Sheen), mas enfraquece quando o elenco parece um bando de bonecos em meio aos tiros. Talvez os fãs dos filmes de ação não liguem para isso, mas Eran Creevy deveria refletir sobre isso se quiser ser levado a sério em seu próximo filme (intitulado Autobahn, suspense em alta velocidade previsto para o ano que vem estrelado por Zac Efron e Amber Heard).     

Inimigos de Sangue (Welcome to the Punch/Reino Unido-EUA/2013) de Eran Creevy com James McAvoy, Mark Strong, Andrea Riseborough, David Morrissey e Daniel Mays. 

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

KLÁSSIQO: Sexo, Mentiras e Videotape

Peter, Laura, Andie e Spader: aclamada estreia de Soderbergh. 

Esse é o tipo de filme que você sempre escuta falar, mas que não é muito fácil de encontrar. A estreia de Steve Soderbergh faturou a Palma de Ouro no Festival de Cannes e jogou as expectativas de sua carreira para o patamar mais alto - algo que ele só conseguiu se recuperar no final da década de 1990. Lembro que na época todos os amigos de minha irmã mais velha só sabiam falar do filme, fazendo minha expectativa crescer cada vez mais. Só recentemente consegui ver o filme e me surpreendeu como parece próximo da versão de Mike Nichols para a filmagem da peça Closer de Patrick Marber, que se tornou filme em 2004. Em comum, nos dois, fala-se muito sobre sexo, mas não existe uma cena de sexo durante o filme, apenas sugestões. É uma saída elegante para um filme de diálogos sinceros e que explora um jogo de sedução diferente entre os seu "quadrângulo" amoroso. Os personagens são baseados em arquétipos bem delineados e facilmente identificáveis pelo elenco: Ann Bishop (Andie MacDowell) é a típica esposa certinha, tão certinha que faz terapia para lidar com a forma fria com que lida com a própria sexualidade. As roupinhas sem graça e os cabelos transpiram uma aparência assexuada que nem ela parece notar. Ela é casada com John (Peter Gallagher), advogado com pinta de galã que tem um caso com a cunhada. A tal cunhada chamada Cynthia (Laura San Giacomo) trabalha num bar enquanto a carreira de artista plástica não decola. Cynthia é tão desinibida quanto deixa evidente que existe uma certa competição com a irmã sempre admirada pelo seu comportamento correto. A vida dos três poderia seguir assim para sempre se não aparecesse um visitante, o excêntrico Graham Dalton (James Spader, premiado em Cannes pelo papel). Dalton foi amigo de juventude de John, mas agora ele aparece completamente diferente, com fala pausada e com valores bastante diferentes do casal de amigos. É visível que existe uma atração sutil entre Ann e o visitante - e ela se torna ainda maior quando Dalton diz-se impotente. Ann deixa claro sua atração por Dalton quando suas roupas se tornam mais sexys, além da resitência de apresentá-lo à irmã. Quando o vínculo entre os dois está prestes a se fortalecer ela descobre um estranho hábito dele: gravar mulheres confessando aspectos da sexualidade. É esse hobby de Dalton que irá mudar a vida dos personagens de forma definitiva. É interessante como Soderbergh usa a câmera do personagem para explorar as entranhas dos seus personagens. Diante daquela lente as personagens expõem não apenas suas vivências como passam a questioná-las - e isso torna-se mais excitante para Graham do que uma relação sexual (talvez por perceber que ali está um nível maior de intimidade do que conseguira em qualquer transa). Apesar da temática quente, Steve Soderbergh opta por um acompanhamento distante dos personagens, de forma que são apresentados frigidamente para a plateia até o desfecho. O estilo do diretor pode ser considerado como pretensioso por alguns,  mas essa pose faz parte da aura que tornou o filme num objeto de culto e um marco do cinema independente americano. 

Sexo, Mentiras e Videotape (Sex, Lies and Videotape/EUA-1989) de Steven Soderbergh com James Spader, Andier MacDowell, Peter Gallagher e Laura San Giacomo. ☻☻

Combo: Tirando a Roupa

5 Showgirls (1995) fazer um filme sobre strippers é mais difícil do que parece. Paul Verhoeven que o diga! O diretor de Instinto Selvagem/1992 estava crente que repetiria o sucesso com a história batida da menina do interior que vai para a cidade grande para virar atriz e acaba tendo que tirar a roupa para ganhar a vida. Quem achava que bastava mulheres nuas para garantir o sucesso de bilheteria teve que rever os seus conceitos com o retumbante fracasso desse espetáculo brega cultuado pelos fãs do cinema trash. O longa se tornou sinônimo de como não fazer um filme do gênero e ganhou o respaldo de 13 indicações ao Framboesa de Ouro (dos quais ganhou 7: pior filme, diretor, atriz...) e ainda foi lembrado como o pior filme da década (no ano 2000) e o pior drama dos 25 anos de existência do Framboesa!!! 

4 Striptease (1996) Quem achava que Hollywood tinha aprendido a lição depois de Showgirls se decepcionou mais uma vez! Apesar de protagonizado pela estrela Demi Moore (que tornou-se a atriz mais bem paga do cinema com o papel na época), o filme de Andrew Bergman não convenceu com a história da mãe exemplar que trabalha como stripper, tem um ex-marido atrapalhado e ainda se mete numa trama de intrigas políticas ao lado de um congressista (Burt Reynolds) - seu admirador fiel. Apesar de mais simpático que o filme de Verhoven, Striptease parece se ridicularizar o tempo todo e ganhou seis prêmios no Framboesa de Ouro (pior filme, diretor, atriz, roteiro, casal e música). O resultado respingou até no livro de Carl Hiassen (que inspira a trama) - que teve suas qualidades questionadas depois da adaptação malfadada. 

3 Magic Mike (2012) Se os homens não garantiram o sucesso da mulherada tirando a roupa, a mulhereada (e o sempre devotado público gay) fez deste longa de strippers masculinos um sucesso! O segredo? Investir num grupo de atores musculosos, bom humor, trilha sonora esperta, coreografias insinuantes, algumas provocações e apelo pop. Para conjugar tudo isso, as mãos do oscarizado Steve Soderbergh mostou-se fundamental ao contar para contar a história de um stripper (Channing Tatum) que quer mudar de vida enquanto insere um novato no ramo (papel de Alex Pettyfer). Some a isso uma certa amargura e Matthew McConaghey inpirado (indicado e ganhador de prêmios pelo papel de gerente dos moços) e você terá um dos filmes mais lucrativos dos últimos anos - e nem precisou de roteiro elaborado para conseguir isso. 

02 Turnê (2010) As atrizes desse filme francês estão longe de ter o corpo sarado ou a fama de Demi Moore, mas elas garantem bastante simpatia a esse longa dirigido por Mathieu Almaric. Joachin (vivido por Almaric) é o idealizador de um espetáculo neoburlesco que chama a atenção pelas mulheres de formas generosas e números bem humorados. Existem deliciosos anacronismos na trama e os conflitos entre Joachin (que tem problemas pessoais que não consegue administrar com as mãos de ferro usadas para o espetáculo) e suas musas garantem momentos interessantes para a plateia num tom quase documental. É no contraste entre fantasia e realidade que o filme oferece seus maiores méritos. 

01 Ou Tudo Ou Nada (1997) Chega a ser engraçado que depois de fracassos capitaneados por beldades sem roupa, os strippers ganharam fama e indicações ao Oscar com um filme onde um bando de marmanjos (pouco atraentes) resolvem tirar a roupa para superar a crise financeira que atravessam. A ideia de Simon Beaufoy ganhou forma nas mãos do (sumido) diretor Peter Cattaneo. O filme gira em torno de Gaz (Robert Carlyle) que junta um grupo de amigos (que inclui Tom Wilkinson e Hugo Speer) para ganhar algumas libras num show de striptease amador. É um filme de uma piada só, sorte que ela é ótima! Divertido, despretensioso e espirituoso, o filme foi sucesso mundial, foi indicado a 4 Oscars (filme, diretor, roteiro original e ganhou o de trilha sonora de comédia) e ainda virou peça de teatro! Nascia um clássico dos anos 1990!

terça-feira, 17 de setembro de 2013

DVD: Magic Mike

Pettyfer, Matthew e Tatum: as relações projetivas. 

Steve Soderbergh lançou seu filme mais lucrativo no ano passado. O mais interessante é que o filme faz parte das experiências do diretor em explorar histórias relacionadas à trajetória de seus atores. Foi assim com Confissões de Uma Garota de Programa (2009), com o sonolento À Toda Prova (2011) e agora com Magic Mike estrelado por Channing Tatum que, já declarou, ter ganhado a vida como stripper antes da fama. Tatum já havia trabalhado com o diretor em À Toda Prova - no qual apresentou, em um papel pequeno, a melhor atuação de sua carreira. Como Magic Mike, sua atuação não chega a ser tão boa, mas as fãs não devem reclamar. O filme começa a partir do encontro de Mike (Tatum) com Adam (Alex Pettyfer), um jovem rapaz que não sabe muito bem que rumo seguir profissionalmente. Mike acaba convidando o mocinho para trabalhar na boate onde ele é um dos strippers mais populares e, quase que por acaso, Adam salva a noite. Embora tenha que aprender um bocado de coisas com a trupe de novos amigos, Adam mostra-se bastante interessado com os prazeres da carreira que se anuncia. O roteiro do estreante Reid Carolin não se preocupa em aprofundar personagens, mas investe no humor para agradar a gregos em troianos. Sua preocupação em fazer um texto agradável para o grande público não aparece somente nesse quesito, mas também pela forma rápida com que insere as drogas na história e a visão ingênua de não explorar o homossexualismo e a prostituição nesse universo. Com o nível de provocação lá em baixo, o mais incrível é como o diretor Soderbergh faz milagres com o que tem em mãos. Além de injetar uma atmosfera pop documental ao filme, ele ainda consegue criar números interessantes (o melhor é o de 4 de julho, onde um jogo de luzes faz Matthew McConaghey parecer o Tio Sam) que fogem apenas do caráter rebolativo e de glúteos de fora. Mas debaixo da aparência de que o filme faz piada de si mesmo, mais do que um romance açucarado (de Mike com a irmã certinha de Adam ou com uma psicóloga bissexual), o filme torna-se mais interessante quando percebemos a relação projetiva que se instala entre Mike, Adam e o veterano Dallas, responsável pela gerência do show. Dallas é um personagem que aparece pouco, mas que consegue ser bastante revelador sobre o universo apresentado no filme.  Matthew McConaghey rouba a cena como o sujeito que vê o desejo da plateia como fonte de ambições e lucros cada vez maiores (não por acaso, Matthew foi eleito o melhor ator coadjuvante no Independent Spirit pelo papel). Curioso é que Dallas não tem uma história, uma família e por isso mesmo, encarna o que Mike tem medo de se tornar quando a idade avançar mais um pouco: ser apenas aquilo que se vê no show. Enquanto isso, a juventude de Adam reflete o quão mais próximo de Dallas ele está desde que começou no ramo (afinal, todos os seus projetos fora daquele universo nunca se concretizam). Embora o roteiro não explore todas as possibilidades da relação desse trio, existe uma vontade de que o filme não seja só um bando de homens musculosos tirando a roupa. Ajudaria se explorasse melhor os sujeitos que se escondem naquele palco, mas aí, a produção de 7 milhões de dólares poderia se tornar séria demais e não render mais de quinze vezes esse valor só nas bilheterias americanas (o que em tempos de crise é ainda mais valioso).

Magic Mike (EUA-2012) de Steve Soderbergh com Channing Tatum, Alex Pettyfer, Matthew McConaghey, Cody Horn, Olivia Munn, Joe Manganiello e Matthew Bomer. ☻☻  

CATÁLOGO: Nicholas Nickleby - O Herói da Família

Charlie Hunnan e Jamie Bell: amigos num clássico de Charles Dickens.

Poucas vezes a escolha de atores para a adaptação de um best seller causou tanto alvoroço quanto a da versão cinematográfica de 50 Tons de Cinza. A saga soft porn de criada por E.L. James sobre a relação entre o sádico Christian Grey e a mocinha Anastasia Steele (sempre achei esse sobrenome uma brincadeira com Danielle Steel) rendeu três livros de sucesso e especulações de que os protagonistas poderiam ser vividos por astros do porte de Armie Hammer, Emma Watson, Ryan Gosling, Natalie Portman, Amanda Seyfried e até Henry Cavill, mas os papéis principais acabaram ficando com os pouco conhecidos Charlie Hunnan e Dakota Johnson. Acontece que ninguém de renome queria se comprometer com a trama sobre tensão sexual sustentada mais pelos fetiches da audiência do que pelos personagens. A  negativa de Ryan Gosling para o papel, só confirma que seria muita exposição para um retorno incerto. A assinatura de Sam Taylor-Johnson (que apesar do nome, trata-se da senhora Aaron Taylor-Johnson - o Kick Ass) pode até soar como um porto seguro e, acredito, que não foi por acaso que ela escolheu rostos desconhecidos do grande público para viver Christian e Anastasia. Dakota (a bela filha de Melanie Grifith e Don Johnson) começou a ganhar destaque em Hollywood nos últimos anos em filmes como Anjos da Lei (2012), Cinco Anos de Noivado (2012) e A Rede Social (2010), já Charlie Dunnan teve papéis de destaque na TV - como no seriado Queer as Folk (1999-2000) e Sons of Anarchy (2008-2012), nos cinemas ele pode ser conferido no recente Círculo de Fogo (2013) e em participações em A Tentação (2011) e Hooligans (2005), mas seu papel de maior destaque até hoje foi nesta versão de Nicholas Nickleby de Douglas McGrath. Quando essa adaptação da obra de Charles Dickens chegou aos cinemas, Charlie tinha 22 anos e demonstrava ser promissor, apesar de sobrepor o bom mocismo às outras camadas de Nicholas, sua atuação pode não ser marcante, mas sua atuação desperta a simpatia da plateia de imediato. Nicholas cresceu numa fazenda ao lado dos pais e da irmã, Kate (Romola Garai) e teve uma formação sólida de caráter que fará toda a diferença depois que o pai morrer completamente falido. De luto, a família Nickleby irá para a Londres do início do século XIX em busca da ajuda de um tio (Christopher Plummer, excelente) que especula na bolsa de valores (quando o processo de industrialização começava a acirrar as diferenças sociais). Acontece que o tal tio está mais preocupado em acumular fortuna do que ajudar os familiares, assim, despacha Nicholas para trabalhar numa escola horrenda afastada da capital, arranja emprego de costureira para a cunhada e tenta tirar proveito dos olhos gulosos sobre a virginal sobrinha Kate.  Longe da família, trabalhando na escola administrada pelos hediondos Sr. e Sr.ª Squeers (Jim Broadbent e Juliet Stevenson) ele encontrará um bando de crianças submetidas a maus tratos, mas não mais do que Smike (o sempre bom Jamie Bell), que foi abandonado naquela instituição após ter adoecido de poliomielite. Smike sofre um bocado e torna-se grande amigo de Nicholas, juntos os dois terão algumas aventuras (envolvendo até um grupo de teatro meio surreal liderado por Nathan Lane), enquanto a família Nickleby tenta reorganizar a vida sempre contando com o tio maldoso para atrapalhar.  Douglas McGrath ficou famoso como parceiro de Woody Allen na escrita de Tiros na Broadway (1994) e ganhou elogios por sua adaptação de Emma (1996) de Jane Austen. Aqui ele repete o cuidado visual numa produção de época e consegue guiar atuações simpáticas de todo o elenco. Apesar de exagerar no açúcar, ele conseguiu que o filme fosse indicado ao Globo de Ouro de Melhor Comédia/Musical. Interessante é como o filme estabelece um contraste gritante entre a vida no campo e na cidade: tudo que um tem de luminoso e colorido o outro tem de cinzento e ameaçador. Bem feito e otimista o filme merece ser conferido, principalmente agora que Charlie Hunnan ganhou destaque por viver outro personagem literário. É interessante rever o filme e perceber como o bom moço Nickleby irá se transformar em seu total oposto nas telonas. 

Nicholas Nickleby: O Herói da Família (Nicholas Nickleby/Reino Unido-2002) de Douglas McGrath, com Charlie Hunnan, Jamie Bell, Romola Garai, Christopher Plummer, Nathan Lane,  Jim Broadbent, Anne Hathaway e Timothy Spall. ☻☻  

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

DVD: Meu Melhor Inimigo

Moritz, Georg e Ursula: misturando gêneros. 

Tem gente que realmente acredita que a foto em que aparece no meu perfil do blog é realmente minha. Geralmente elas me perguntam como foi que consegui editar uma foto daquele jeito, mas eu sempre costumo dizer a verdade: apesar das semelhanças, aquele não sou eu. É uma parte do pôster de O Complexo Baader Meinhof (2008), ótimo filme alemão dirigido por Uli Edel e estrelado por Moritz Bleibtreu e indicado ao Oscar de Filme estrangeiro. Pois é, a foto é uma caricatura de Moritz (com uma leve editada no penteado). Desde Corra, Lola, Corra (1998), o ator se tornou um dos mais requisitados da Alemanha, ao ponto que seus fãs ao redor do mundo garantem alguma notoriedade às produções que estrela. Exibido no Festival de Berlim, este Meu Melhor Inimigo (já perdi as contas de quantos filmes tem esse nome, inclusive um documentário alemão de Werner Herzog) alcançou elogios e algumas desconfianças pelo tom quase cômico que possui em sua segunda parte, embora o resultado seja mais convincente do que os momentos em que Tarantino tenta fazer graça em Bastardos Inglórios (2009). A trama narra a relação entre o judeu Victor Kauffman (Bleibtreu) e o amigo ariano Rudi Smekal (Georg Friedrich), apesar das diferenças sociais (os pais de Victor são ricos donos de uma galeria de arte e Rudi é filho da governanta da família), os dois crescem juntos e com grandes afinidades - inclusive o interesse pela mesma mulher, Lena (Ursula Strauss). Mas quando o nazismo ascende na Alemanha, a relação dos dois é abalada. Rudi vê na SS a chance de ganhar um status que não possuía, mesmo que para isso tenha que trair a confiança da família Kauffman. O centro da intriga é uma pintura de Michelangelo que pode ajudar nas relações com a Itália fascista de Mussolini, o problema é que somente a família Kauffman sabe onde a obra original se encontra. A obra de Michelangelo acaba se tornando fonte de uma constante barganha entre os dois amigos, especialmente quando ela permite que Victor reencontre sua família depois que foram separados e enviados para campos de concentração. Assim como em O Menino do Pijama Listrado (2008), o filme usa do mesmo artifício de que as diferenças entre judeus e arianos era mais ideológica do que biológica, já que depois de um acidente, Victor troca de identidade com o ex-amigo e Rudi não consegue convencer ninguém de que não é judeu.  É nessa parte que o filme reduz o tom dramático e apela para o humor. Não há problemas nessa transição, já que ela ocorre de forma bastante espontânea. Pena que o mesmo não se pode dizer do desfecho otimista que torna tudo uma espécie de conto de fadas. Apesar de abordar um tema pesado como o holocausto, a proposta do diretor Wolfgang Murnberger (que assina o roteiro ao lado de Paul Hengge) é bem mais leve do que os outros do gênero - isso pode desagradar os mais ranzinzas (especialmente pela noção de que a família judia rica é boazinha e que o ariano pobre era só um invejoso - mas isso tem tem mais relação com os ideais nazistas do que você imagina). Longe de ser genial, o filme é bem produzido e possui ritmo envolvente no trato com os personagens que deve agradar quem se aventurar a assistí-lo.

Meu Melhor Inimigo (Mein Bester Feind/Alemanha-2011) de Wolfgang Murnberger com Moritz Bleibtreu, Georg Friedrich, Ursula Strauss e Marthe Keller. ☻☻☻  

DVD: A Oitava Página

Nighy e Weisz: suspense eficiente e ótimo elenco.

Trabalhando como ator desde a década de 1970, é curioso imaginar que somente depois de completar cinquenta anos que Bill Nighy se tornou um rosto conhecido do grande público. Quem curte comédias inglesas já havia reparado naquele senhor esguio quando interpretou um roqueiro que rejeita se aposentar em Ainda Muito Loucos (1998). A coisa funcionou tão bem que ele praticamente repetiu o personagem, sendo a melhor coisa no aguado Simplesmente Amor (2003). Desde então, os trabalhos no cinema não pararam de aparecer. Nighy vive a melhor fase de sua carreira e já provou inúmeras vezes que pode fazer a diferença em filmes como Notas sobre um Escândalo (2006) e O Exótico Hotel Marigold (2011), embora a maioria dos seus papéis tenham relação com humor, ele dá conta de tipos mais dramáticos como esse vivido neste competente telefilme produzido pela BBC. Escrito e dirigido por David Hare (indicado ao Oscar pelos roteiros de As Horas/2002 e O Leitor/2008), A Oitava Página me lembrou o clima de O Espião que Sabia Demais (2011). As semelhanças estão no fato de que a vida do espião é mostrada com menos cenas de ação e mais elementos conspiratórios que se revelam aos poucos enquanto vida profissional e pessoal se misturam num labirinto de suspeitas. Nighy interpreta Johny Worricker, melhor amigo e confidente do chefe da inteligência britânica, Benedict Baron (Michael Gambon). No entanto, quando Johny é apresentado ao público ele é apenas um homem que chega em casa e se depara com uma vizinha (Rachel Weisz) em apuros, já que ela não sabe como se livrar do namorico que arrumou naquela noite. Somente depois, percebemos que aquele encontro quase acidental no corredor, pode fazer parte de algo maior, já que a bela vizinha tem envolvimentos com manifestantes sírios e investigações israelenses. Esse é apenas um detalhe de uma trama que gira em torno da sempre controversa ligação entre Inglaterra e EUA na "guerra contra o terror". Além da simpatia que nutre pela vizinha, Worricker ainda terá que lidar com uma superior que simpatiza pouco com ele (a sempre bem vinda Judy Davis), os conflitos com a filha (Felicity Jones) e com a morte de uma figura importante na Inteligência Britânica - e que colocará em risco a integridade dessa instituição. É interessante como o texto de Hare mistura os elementos de forma que nossa mente funciona como a do protagonista: explorando as possibilidades de que uma conspiração se arma e todos podem estar envolvidos. Sem reviravoltas malucas ou exageros, A Oitava Página constrói um suspense eficiente com verniz dramático bem dosado. Outra vantagem do filme é que não tenta confundir o expectador mais do que deveria. A história é contada de forma linear, simples e eficaz amparada pelo talentoso elenco, capitaneado pela fleuma de Bill Nighy - que foi indicado ao Globo de Ouro pelo papel.  Ainda que modesto, A Oitava Página poderia ser um sucesso nos cinemas e merece ser descoberto nas locadoras. 

A Oitava Página (Page Eight/Reino Unido-2011) de David Hare com Bill Nighy, Rachel Weisz, Judy Davis, Michael Gambon, Felicity Jones, Tom Hughes, Ralph Fiennes, Marthe Keller e Ewen Bremner. ☻☻☻

DVD: O Incrível Mágico Burt Wonderstone

Carrell e Buscemi: mágica, pose e besteirol. 

O cinema é mesmo uma caixinha de surpresas. Houve um tempo em que Jim Carrey era garantia certa de boa bilheteria para um filme besteirol, nesse mesmo tempo ele chegou a ter Steve Carrell como coadjuvante de sucesso. Hoje a coisa se inverteu: Carrell tornou-se mais popular que Carrey, ao ponto de ter o careteiro como coadjuvante de luxo. Os dois juntos já chama atenção da plateia, acrescente Steve Buscemi (em alta com os prêmios da série Boardwalk Empire da HBO), a beldade Olivia Wilde e o finado James Gandolfini e o elenco dessa bobagem é dos mais promissores. Porém, apesar de prometer boas risadas o filme fracassou nos cinemas americanos. Burt Wonderstone custou 30 milhões e não arrecadou nem 23 milhões nas bilheterias. O motivo da decepção? Acredito que o filme não soube se comunicar com o público a que se destinava. As piadinhas propositadamente toscas não devem ter sido interpretadas como deveriam, ou então, o público se desacostumou ao humor sem baixarias a que o filme se propõe. A tosquice das dancinhas e o sorriso amarelo dos atores devem ter sido levados mais a sério do que se deveria... O filme começa com Burt ainda pequeno e não muito querido pelos colegas, sua maior companhia era um kit de mágica do famoso Rance Holloway (Alan Arkin) que recebeu de presente da mãe. Incompreendido pelos colegas, seu melhor amigo é o problemático Anton, o qual se tornará seu parceiro em números de mágica por muito tempo. Crescidos, Burt (Steve Carrell) e Anton (Buscemi) são estrelas de um hotel em Las Vegas onde apresentam seus números por décadas! O problema é que a crise chega para todo mundo, especialmente para aqueles que se acham tão espetaculares que não precisam mudar nunca, como Burt. O menino simpático que fazia mágica por diversão se torna um chato egocêntrico que não percebe que seu show é totalmente ultrapassado. Da trilha sonora (que abusa do hit Abracadabra) que serve às coreografias sem noção, passando pelo vestuário exagerado e a cabeleira esdrúxula, Burt parece ter parado no tempo. Também não ajuda muito o fato de um mágico de rua chamado Steve Gray (Jim Carrey, num papel que lhe cai como uma luva) estar ganhando espaço na mídia com números que parecem mais uma apresentação do Jack Ass do que de magia. O roteiro explora o inferno astral de Burt, com direito à crise na amizade com Antom, desemprego, shows em asilo e festas de aniversário superestimadas. É um festival de tosquice  arriscado, mas que poderia não funcionar se contasse com o elenco errado, sorte que aqui os atores não tem pudores de enfrentar a ridicularização a que são submetidos. Eu gostei, ri bastante com as trapalhadas dos personagens - e especialmente com a explicação daquele número de mágica inusitado onde a plateia desaparece no número final. Vindo da televisão o diretor Don Scardino não pretende fazer uma comédia revolucionária ou coisa parecida, sua intenção é fazer rir e isso seu filme faz com um elenco que parece estar se divertindo tanto quanto a plateia. 

O Incrível Mágico Burt Wonderstone (The Incredible Burt Wondestone/EUA-2013) de Don Scardino com Steve Carrell, Steve Buscemi, Olivia Wilde, Jim Carrey, James Gandolfini, Alan Arkin e Jay Mohr. ☻☻☻

terça-feira, 10 de setembro de 2013

DVD: Quando Anoitece

Claudia e Fillippo: faíscas dentro e fora da tela. 

É sempre interessante quando um escritor tem a chance de transformar seu livro em filme. Cristina Comencini trabalha com cinema desde 1989, em 1994 lançou seu primeiro romance (As Páginas Desaparecidas) e mais de vinte anos depois lançou esse Quando Anoitece, que a mesma adaptou para o cinema em 2011. O filme causou grande controvérsia quando foi exibido no Festival de Veneza, chegando a gerar risos involuntários na plateia - o que aborreceu bastante a diretora que defendeu sua história de forma bastante enfática. Todo mundo sabe que a transposição de uma mídia para outra é bastante complicada e traduzir elementos escritos para imagens pode resvalar no exagero. Como não tenho formação para crítico de cinema, eu achei que o filme tem dois problemas: o primeiro é que a história demora muito para engrenar e a segunda é que a rendição dos personagens ao que sentem um pelo outro é um tanto apressada. No entanto, as atuações de Claudia Pandolfi e Fillippo Timi ajuda a manter a atenção da plateia. Ela é Marina, uma mulher casada que vai passar uma temporada perto das montanhas para que seu filho pequeno possa ficar curado de uma doença respiratória. Ela aluga o segundo andar da casa do misterioso Manfred (Timi), um sujeito sisudo e que trabalha nas montanhas. O choro do filho de Marina é constante e afeta o sono dos personagens, não demora muito para que ela esteja exausta e, num momento de desespero, tenha uma atitude que desperta suspeitas em Manfred. Mais do que a hesitação dos personagens se conhecerem, é evidente que existe uma crescente tensão sexual naquela casa, afinal os dois estão isolados numa casa e demonstram-se bastante... carentes - mas o roteiro prefere colocá-los brigando até a metade da projeção. Existe algo folhetinesco quando a história dá espaço para os comentários sobre a infância e adolescência de Manfred numa casa habitada somente por homens,mas pior que isso são as indagações sobre a maternidade que nunca se aprofundam como deveriam, soando bem precárias. No entanto, o que salva o filme é a atmosfera cheia de suspense criada pela diretora e a sólida construção de Fillippo Timi de um personagem que seduz a mulherada por sua estranheza. A forma como a narrativa sufoca o romance que demora para se concretizar rendeu ao filme uma indicação ao Leão de Ouro no Festival de Veneza, mas não foram poucos que criticaram a produção.  Quando Anoitece deveria ter se concentrado no sentimento que nasce entre os protagonistas ao invés de buscar reflexões sobre Complexo de Édipo, Depressão pós parto e outras coisas maternais. Prova disso é o último ato, livre desses empecilhos, o final é tenso, sensual, romântico e extremamente bem filmado - apesar de ocorrer após uma grande lacuna temporal. Quando Fillippo e Claudia estão em cena, podemos enxergar as faíscas - faíscas que acabaram rendendo publicidade a mais para o filme, já que os dois engataram um romance badalado pela mídia europeia.

Quando Anoitece (Quando la Notte/Itália-2011) de Cristina Comencini com Fillippo Timi, Claudia Pandolfi, Thomas Tabacchi, Denis Fasolo e Franco Trevisi. ☻☻☻

DVD: Os Gigantes

Bartel, Nissen e Chasseriaud: atores de futuro. 

Seth (Martin Nissen) e Zak (Zacharie Chasseriaud), são dois irmãos com, respectivamente, 15 e 13 anos que vivem na casa deixada pelo avô até o dia em que a mãe virá buscá-los. A espera fica ainda pior quando o dinheiro deixado por ela acabou e eles precisam se virar para não morrer de fome. Enquanto esperam o retorno da mãe, os dois irmãos vivem pequenas aventuras, seja dirigindo o carro velho do avô falecido ou roubando comida da dispensa do vizinho. Enquanto fazem companhia um para o outro conhecem Danny (Paul Bartel), outro jovem morador das redondezas que tem sérios problemas com o irmão mais velho que o espanca constantemente. Junto os três viverão algumas desventuras neste eficiente longa metragem dirigido por Bouli Lanners. Lanners já atuou em vários filmes franceses (Eterno Amor/2004, Des Vents Contraires/2011, Ferrugem e Osso/2012), mas neste seu quinto trabalho demonstra grande sensibilidade ao conduzir uma história cativante sobre três personagens que estão deixando a infância para trás. Quando parece que estamos diante de mais um filme no melhor estilo Conta Comigo (1986), o diretor torna a trama mais sombria ao mostrar o envolvimento dos três moleques com um traficante local - o que acaba os deixando ainda mais perdidos no mundo. Pode-se fazer várias leituras sobre o que a trama apresenta, que eles não possuem referencial familiar (os pais vivem ausentes e não sabemos exatamente o motivo) e depois que ficam sem teto a coisa complica ainda mais com o sentimento de invencibilidade tipicamente juvenil acoplado à violência sempre à espreita. Lanners insere o espectador como uma espécie de voyeur na trajetória do trio (e a forma como o diretor posiciona a câmera em várias cenas ressalta isso) e sabe que o carisma de seus atores segura nossa atenção diante do que vemos. A paisagem paradisíaca das locações, assim como a inocências dos mocinhos contrasta com os atos de contravenção que cometem pelo caminho, mas o melodrama nunca se sobrepõe ao tom de aventura de cada episódio da trama. O que poderia ser uma crônica sobre rito de passagem, acaba recebendo traços de fábula sobre o adolescência. Afinal, tudo parece acontecer num universo paralelo, onde os meninos vivem à deriva sem a interferência de adultos - e isso fica ainda mais marcante quando o telefone celular toca pela última vez. Talvez o o diretor queira expressar é que, em determinado ponto de nossas vidas deixamos de criar expectativas para que os outros resolvam nossos problemas e, entre erros e acertos, crescemos sozinhos. Seth, Zak e Danny falam um pouco sobre a adolescência de cada um de nós, das pequenas aventuras do cotidiano, dos problemas que desviamos pelo caminho, daquela sensação de abandono que sentimos quando nossos pais deixam de ser os heróis que imaginamos na infância  - o que se cruza com a perda da inocência e a preocupação com quem está ao nosso redor. O filme me lembrou ainda  O Garoto de Bicicleta (2011) dos irmãos Dardenne - que, curiosamente, foi exibido em Cannes no mesmo ano -, mas o ritmo deste aqui é mais otimista e envolvente pela comunicação direta que pode estabelecer com os mais jovens.  

Os Gigantes (Les Giants/Bélgica-2011) de Bouli Lanners com Martin Nissen, Zacharie Chasseriaud, Paul Bartel e Marthe Keller. ☻☻☻☻

sábado, 7 de setembro de 2013

PREMIADOS FESTIVAL DE VENEZA 2013

Sacro GRA: documentário surpreende em Veneza2013.

O Festival de Veneza é o que está mais próximo da temporada de ouro das premiações. Sendo assim, costuma dar fôlego às produções quando os críticos, sindicatos e acadêmicos já começam a pensar em suas listas de melhores do ano. Neste ano, produções badaladas como Kaze Tachinu (do mestre Hayao Miyazaki), Parkland (de Peter Landesman e estrelado por Zac Efron e Marcia Gay Haden), The Zero Theorem (de Terry Gillian), Under The Skin (do sempre estiloso Johnatan Glazer com Scarlett Johansson), o aguardado Gravidade (de Alfonso Cuarón), The Canyons (de Paul Schrader, estrelado por Lindsay Lohan) e Unforgiven (de Sang-il Lee protagonizado pelo astro Ken Watanabe), tiveram que ver o novo longa de Stephen Frears (estrelado por Judi Dench) despontar com chances de figurar num lugar de honra nas premiações que se aproximam. Outro que foi legitimado pelo festival desse ano é o novo filme de Joseph Gordon Green, Joe (estrelado por Nicolas Cage). No entanto, todos se surpreenderam quando um documentário recebeu a honra máxima do evento ao contar a história de personagens que vivem ao redor de Roma. A seguir a lista dos premiados: 

Leão de Ouro: “Sacro GRA” (Itália) de Ganfranco Rosi.
Prêmio do júri: “Stray Dogs” (Malásia) de Tsai Ming-Liang
Leão de Prata (direção): Alexandros Avranas (“Miss violence”, Grécia)
Prêmio Especial: “The Police Officer’s Wife” (Alemanha) de Philip Groning
Melhor ator: Themis Panou (“Miss Violence”, Grécia)
Melhor atriz: Elena Cotta por “Via Castellana Bandiera” (Itália)
Pêmio Marcello Mastroianni (revelação): Tye Sheridan (“Joe”, EUA)
Prêmio de melhor roteiro: “Philomena” (Inglaterra) de Stephen Frears
Leão do Futuro (diretor estreante): “White shadow” (Tanzânia) de Noaz Deshe

CATÁLOGO: Trópico de Câncer

Rip Torn: Henry Miller com toque de Woody Allen. 

Quando adolescente, lembro que o esposo de minha tia possuía tantos livros que deixava alguns na casa de meus pais. Entre eles estava Sexus de Henry Miller. Vocês podem imaginar o efeito de um livro com esse nome nas mãos de um rapazinho com os hormônios em ebulição? Pois é, eu não precisava de grandes conhecimentos literários para perceber que aquele escritor entre uma narrativa erótica e outra destilava um olhar bastante mordaz para a sociedade de seus tempo. Eu enxegava um bocado de sinceridade e  pessimismo nas relações do narrador com mulheres como Mona e Maude. O livro tem mais de 500 páginas e é preciso ter fôlego para acompanhar tantas desventuras sexuais seguidas, talvez por isso o livro ficasse meio escondido, quase como uma obra proibida dentro da prateleira. Depois desse primeiro contato com a obra do autor, nunca imaginei que um de seus livros já fora adaptado aos cinemas. Trópico de Câncer foi realizado em 1970, mas surpreendeu os fãs do escritor por ter o ritmo de uma comédia sexual despretensiosa (e a situação para mim é ainda mais surpreendente, já que meu contato literário com Trópico foi em uma versão em espanhol, que me pareceu ainda mais caliente...). Sai o olhar de Miller sobre a década de 1930 e entra uma certa irreverência da década em que o filme foi realizado, talvez por isso, o resultado seja mais leve do que qualquer um poderia imaginar. Cheguei a ler algumas resenhas que apontam um certo ar de Woody Allen na adaptação (o que é bastante anacrônico, já que Allen mal tinha um estilo, tendo realizado somente um longa nessa época, mas essa observação pode ser mais reveladora do que parece), basta reparar os óculos que Miller usa durante o filme. Sem o olhar mais crítico do autor sobre as relações de sua época, o filme mostra uma sucessão de encontros de Miller com amigos e parceiras sexuais em Paris, especialmente depois que é abandonado por sua esposa, Mona (uma sexy Ellen Burstyn). Apesar de conter bastante nudez feminina, as cenas de sexo são bastante conservadoras. Não fosse por alguns trechos da obra narradas em off, dificilmente poderíamos identificar que trata-se de uma trama assinada por Miller. Dizer trama é até generosidade, já que não existe um fio condutor da história, apenas uma coleção de situações envolvendo o protagonista - as mais divertidas ficam por conta da vez em que levou um amigo indiano num bordel (que parece ter inspirado até Big Bang Theory!) e quando se mete a dar aula para um grupo de garotos e não consegue parar de falar sobre pênis de animais. Apesar de algumas gracinhas, achei tudo muito solto e brega (aquela cena da bailarina é bem tosca). Apesar de Rip Torn (que você já deve ter visto em vários filmes gorducho e barbudo e não pode nem imaginar como ele era mais moço) imprimir uma luminosidade que nunca imaginei que o autor teria, o filme tem mais problemas do que acertos. Trópico de Câncer não deixa de ter alguma ousadia, mas os fãs de Miller podem ficar desapontados com essa releitura quase jocosa da obra de um dos mais polêmicos escritores do século XX. 

Trópico de Câncer (Tropic of Cancer/EUA-1970) de Joseph Strick com Rip Torn, Ellen Burstyn, James T. Callahan e David Baur. ☻☻

DVD: Todos Tenemos un Plan

Viggo: talento americano em filme argentino. 

Quando soube que Viggo Mortensen estava aparecendo em Festivais para divulgar sua participação num filme argentino chamado Todos Tenemos Un Plan eu me perguntava como o ator foi parar numa produção latina. Depois descobri que ele passou parte de sua infância na terra de Maradona, o que explica bastante a sua familiaridade com o idioma e sua proximidade com os diretores latinos nos últimos anos. Antes de trabalhar nesse filme de estreia de Ana Piterbarg, o ator (famoso pela trilogia Senhor dos Anéis/2001,2002 e 2003), trabalhou com os brasileiros Vicente Amorim (Um Homem Bom/2008) e Walter Salles (Na Estrada/2009). Antes ele já havia se rendido aos diretores espanhóis Ray Loriga (A Pistola do Meu Irmão/1997) e Augustín Diaz Yanes (Alatriste/2006). Embora não seja uma obra-prima, o filme consegue ser instigante ao mostrar a forma como o pediatra Augustín (Viggo) resolve mudar de vida roubando a do irmão gêmeo, Pedro (o mesmo Viggo). Apesar da carreira e da vida familiar confortável, Augustín não está muito satisfeito com o rumo que sua vida tomou - colabora para isso o fato da esposa insistir no processo de adoção de uma criança, o que faz a relação chegar ao limite. Enquanto isso, o rústico Pedro ganha a vida como apicultor e participando de alguns crimes numa região interiorana da Argentina. Doente, Pedro se vê numa enrascada e procura o irmão, mas não imaginava a drástica solução que Augustín daria aos seus dilemas. Assumindo a vida do irmão, Augustín terá problemas por não entender nada da criação de abelhas e menos ainda da vida de crimes que o irmão atravessou. Para manter a farsa, o personagem terá vários obstáculos, inclusive a esposa (vivida por Soledad Villamil de O Segredo dos Seus Olhos/2009) e a parceira de trabalho de Pedro, Rosa (Sofia Gala). Mortensen tem bons momentos ao encarnar dois irmãos de personalidades opostas, conta pontos especialmente o tom indiferente de Augustín ter que imitar os trejeitos do irmão grosseirão. Apesar de construir uma tensão sutil que cresce durante a narrativa, Ana Piterbarg não sabe muito bem que rumo tomar, e isso compromete alguns aspectos promissores da trama. Não deixa de passar a impressão que Soledad é desperdiçada num papel que desaparece lá pela metade da sessão, ao mesmo tempo, existem um punhados de clichês criminais que poderiam ter sido melhor lapidados (a relação entre Rosa e o comparsa de Pedro fica sempre mal explicada) e o final não deixa de ser preguiçoso, ainda que surja de uma sequência elaborada. Sorte que a diretora estreante tem talento para equilibrar qualidades e defeitos apoiada na atuação segura de seu famoso protagonista. No entanto, sem Viggo, provavelmente o filme teria sérios problemas de divulgação. O filme só comprova que Viggo Mortensen é um astro diferente da maioria, afinal, rejeitou o convite de Peter Jackson para participar do badalado O Hobbit (2012) para filmar essa modesta produção. Isso revela bastante como o novaiorquino encara a profissão. 

Todos Tenemos un Plan (Argentina/2012) de Ana Piterbarg com Viggo Mortensen, Sofia Gala, Soledad Villamil, Javier Godino e Daniel Fanego. ☻☻☻

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

DVD: Killer Joe - Matador de Aluguel

Hirsch e Matthew: A hora da virada. 

É sempre interessante quando um ator procura dar uma virada em sua carreira. Ano passado foi a vez de Matthew McConaghey fazer isso. Nos últimos anos o ator preferiu se dedicar às comédias românticas e encher o bolso de dinheiro, de vez em quando ele até fugia do gênero favorito da mulherada, mas sempre retornava ao porto seguro para sua carreira. Talvez cansado de ser sempre lembrado pelo porte atlético, o ator texano (prestes a completar 44 anos) viu que estava na hora de honrar os elogios de sua promissora atuação em Tempo de Matar (1996). Naquela época ele chegou a ser comparado com Marlon Brando e Paul Newman, mas depois ele nunca mais se preocupou em explorar o máximo de seu potencial. Com quatro filmes elogiados no ano passado (Paperboy, Magic Mike, Killer Joe e Mud - que foi exibido em Cannes2012 e esse ano teve sua distribuição ampliada nos EUA), o Oscar pode tê-lo ignorado, mas o Independent Spirit lhe garantiu duas indicações valiosas em sua última edição: uma de ator coadjuvante por sua atuação como o stripper veterano de Magic Mike (a qual lhe valeu o prêmio) e ator por esse Killer Joe. Assinado pelo veterano William Friedkin, o filme não é para todos os gostos, mas deve agradar aqueles que curtem violência estilizada e um roteiro que não tem medo de ser estranho. A trama gira em torno de uma família disfuncional, os Smith. Tudo já começa com Chris (Emile Hirsch) chegando à casa do pai e sendo surpreendido por sua madrasta desinibida, Sharla (Gina Gershon, uma beldade que envelheceu muito mal). O rapaz tem um péssimo relacionamento com a mãe e as discussões com o pai (Thomas Haden Church) demonstram que as coisas não são muito melhores com o patriarca. Um tabefe aqui, um xingamento ali e o único ponto afetuoso de Chris é a irmã doidinha Dollie (Juno Temple). As coisas não andam fáceis para os Smith, mas Chris tem uma ideia para melhorar, pelo menos, a situação econômica da família. O rapaz acaba de descobrir que é o beneficiário do seguro de vida da mãe e, para receber 50 mil dólares, ele cogita contratar um matador profissional para fazer o serviço. É nesse momento que entre em cena Joe Cooper (Matthew McConaughey), um ex-policial misterioso que ganha a vida fazendo bicos como assassino. Joe é um sujeito estranho e, como a família não tem dinheiro para lhe dar um adiantamento para o serviço, ele pede a doce Dollie como garantia. Só isso já renderia uma história interessate, mas Chris tem problemas com traficantes e existe um jogo de traição na família que papai Smith nem suspeita. Acho bacana que Friedkin filme como se ainda estivesse nos anos 1970 (período em que lançou seus filmes mais famosos, Operação França/1971 e O Exorcista/1973), com o mesmo destemor com que fez Parceiros da Noite (1980) e ousando em flertar com o perturbador como no seu longa anterior, o subestimado Possuídos (2006). Friedkin filma longos planos e deixa a câmera parada como se fossemos espiões perante aquele pequeno universo perto de explodir. Trata os diálogos como se fizessem parte de um mosaico de brinquedo e não se leva a sério nem quando Chris é surrado e apresenta os hematomas mais mal feitos do cinema (que parece ainda mais grotesco quando recepcionado por um Joe nu e de pele límpida). Baseado numa peça de Tacy Letts, o filme se deslumbra com a influência do ambíguo Joe no seio daquela família, ao ponto de, em alguns momentos, parecer uma versão cômica de O Invasor/2001 de Beto Brant - em outros é um primo ainda mais cru dos irmãos Coen - especialmente quando os planos de Chris saem pela culatra. Certo é que Killer Joe não tem medo de ter vida própria (ainda que beirando o absurdo). A cena onde a família lava a roupa suja pela última vez é bastante visceral, até que surge aquela cena surreal com frango frito e um tiroteio descabido antes do anúncio de que aquela zona deve se perpetuar por muito tempo. Não é um filme brilhante, mas tem uma aura cult que deve agradar um público bastante específico. 

Killer Joe (EUA/2012) de William Friedkin com Matthew McConaghey, Emile Hirsch, Thomas Haden Church, Gina Gershon e Juno Temple. 
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DVD: A Hora Dupla (La Doppia Ora)

Kseniya e Filippo: nada é o que parece.  

Muitos espectadores não gostam quando a história de um filme flerta com a mistura de sonho e realidade, eu mesmo costumo ficar com raiva quando um diretor me oferece um desfecho preguiçoso para tramas instigantes usando a desculpa de ser tudo um sonho. Um dos méritos de A Hora Dupla é que ele subverte a ordem da maioria dos roteiros que usam esse artifício. Antes de parecer um romance simpático, o filme já mostra que suas intenções são outras ao exibir fragmentos do dia a dia de um hotel até o momento em que a câmera descobre Sonia (Kseniya Rappoport), uma camareira que descobrirá que uma hóspede se suicidou pouco depois de falar com ela. Percebe-se que Sonia é solitária e que, com exceção da colega de trabalho Margherita (Antonia Truppo), não tem muitos amigos. Em busca de um namorado ela até frequenta aqueles estabelecimentos onde uma solteira fica em uma mesa onde os homens se revezam para conquistá-la em poucos minutos. Depois de sucessivos tipos esquisitos ela conhece Guido (Filippo Timi, ator famoso por sua atuação no papel de Mussolini em Vincere/2009), um sujeito charmoso e bem humorado que pode ser o seu passaporte para a felicidade. Apesar de animada, Sonia resiste aos encantos do moço e acaba deixando as intimidades para depois, alegando que já está tarde (nesse momento que surge o nome do filme, quando Guido olha para o relógio e vê que são 23h 23m, uma "hora dupla", onde devemos fazer um pedido, que em geral, não se realiza). Esse encontro de Sonia e Guido faz o filme parecer uma comédia romântica simpática e não precisa muito mais para que torçamos por eles. No encontro seguinte o tom já parece outro. Ex-policial, Guido leva a Sonia para o local onde trabalha como segurança e são atacados por assaltantes num desfecho trágico. Depois, vemos Sonia com uma cicatriz na testa e triste com o falecimento de Guido, mas seu comportamento fica cada vez mais estranho conforme sente a presença de Guido, escuta a voz dele e as músicas que ouviam juntos em toda parte. Estaria Sonia enlouquecendo? Colabora na construção do estranho suspense a presença de um hóspede misterioso e um investigador amigo de Guido que considera Sonia mais suspeita do que aparenta. É notável a forma como o diretor (estreante em ficção) Giuseppe Capodonti transita por atmosferas tão diferentes nesses dois atos distintos. A forma como explora as camadas das personalidades de Guido e Sonia são plenamente amparadas pelas atuações sólidas e envolventes do casal principal (ambos premiados no Festival de Veneza),  principalmente no momento em que julgamos já ter visto filmes assim antes. A Hora Dupla segue a história quando a maioria dos cineastas a teria terminado e, por isso mesmo, não decepciona. Seu único problema é que antes de concluir a trama, o diretor poderia ter explorado mais os conflitos dos personagens, especialmente quando o próprio espectador sente na pele a angústia de Guido. Bem construído e com excelente trilha sonora de Pasquale Catalano, o filme é envolvente em seus climas estranhos que flertam com o cinema de David Lynch. Sem medo de ser estranho, A Hora Dupla é uma bela surpresa do recente cinema italiano. 

A Hora Dupla (La Doppia Ora/Itália-2009) de Giuseppe Capodonti com Kseniya Rappoport, Filippo Timi, Gaetano Bruno, Fausto Russo Alesi e Antonia Truppo. ☻☻☻

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

DVD: Em Transe


Dawson e McAvoy: hipsnotismo e confusão. 

Nos últimos anos Danny Boyle dedicou-se a filmes que caíram no gosto do público, da crítica e da Academia que lhe renderam vários Oscars por Quem Quer Ser um Milionário (2008) e indicações por 127 Horas (2010). Não há dúvidas de que desde a sua estreia como cineasta em Cova Rasa (1994), Boyle demonstra uma assinatura bastante peculiar, conseguindo envolver o espectador em narrativas que sempre fogem da obviedade. Em Transe não deve concorrer a prêmios (e nem foi feito para isso), mas serve para mostrar como o diretor consegue brincar com as expectativas da plateia como poucos. Reza a lenda que ele passou anos criando bifurcações na narrativa do roteiro para confundir o expectador ao máximo. Se a intenção era essa, o diretor pode considerar que obteve sucesso. Sempre que Em Transe alcança um ponto da narrativa em que você pensa que entendeu o que está acontecendo, existe uma reviravolta onde o foco do expectador é forçado a ter outra visão sobre o protagonista. Quando conhecemos Simon (James McAvoy) ele parece um cara certinho que trabalha em leilões de obra de arte e torna-se responsável por esconder as obras mais valiosas quando um assalto acontece nesses espaços. Os meandros de seu trabalho e esmiuçado logo no início do filme e quando Simon precisa entrar em ação, sofre uma forte pancada na cabeça. Recuperado (e tido como herói), descobrimos que o cara não é tão bonzinho assim. Quando começa a ser perseguido pelo grupo de assaltantes liderados por Franck (Vincent Cassel), Simon é torturado para que descubram onde esconderam o valioso quadro que procuram e deixa claro que padece de amnésia, assim, o cético Franck terá que perceber a hipnose como única forma de conseguir o que quer. É quando entra em cena a bela terapeuta Elizabeth (Rosario Dawson), que irá ajudar Simon a se livrar dos bandidos através de um tratamento intensivo com a participação dos bandidos. Colabora para isso o fato de Simon ter uma sensibilidade rara para se entregar ao processo de hipnotismo.  Boyle consegue manter o suspense durante todo o filme, usa a hipnose para construir cenas curiosas e começa a borrar os limites entre o que é real e o que acontece na mente de Simon (numa espécie de genérico de A Origem/2010). A brincadeira funciona bem, mas quando começa a explicar demais a relação que existe entre os personagens a coisa perde parte da graça - principalmente no final enigmático. Ao espectador cabe seguir as surpresas da trama como se estivesse na situação que o título sugere, apreciar a trilha sonora, as curiosidades sobre a hipnose e tentar desenrolar a trama (nem que seja assistindo o longa mais de uma vez). Nas cenas fantasiosas, Boyle capricha (especialmente naquela cena em que Cassel com a cabeça destruída conversa com Simon como se nada houvesse acontecido, momento que lembra os filmes mais intrigantes de David Cronenberg), mas erra ao se perder em seu próprio labirinto sensorial. No entanto, o filme tem seus méritos.

Em Transe (Trance/Reino Unido-2013) de Danny Boyle com James McAvoy, Rosario Dawson, Vincent Cassel e Danny Sapani. ☻☻☻

DVD: Mama

As meninas, Waldau e Chastain: Poltergeist Maternal. 

Se Jessica Chastain houvesse recebido o Oscar de Melhor Atriz por A Hora Mais Escura na última edição do Oscar, não seriam poucos os críticos a dizer que a ruiva estava sofrendo da maldição do Oscar quando lançasse esse terror Mama. Como a moça foi derrotada por Jennifer Lawrence (por O Lado Bom da Vida), Mama recebeu afagos da crítica pelo jeito que lida com uma história cheia de surpresas e amor materno. O filme está longe de ser uma obra-prima, mas merece uma chance por mudar tudo o que esperamos de um filme de sustos com um nome desses. Acredito que muita gente pensava que se tratava de um filme onde crianças eram assombradas pelo fantasma da mãe. Não é. O início chega a ser chocante ao mostrar um homem que mata a esposa e foge com as duas filhas pequenas. Após um acidente de carro, os três se refugiam numa casa abandonada no meio de um bosque, onde ele tenta dar o mesmo fim às herdeiras. Não temos explicações sobre o comportamento do tal homem, mas algo misterioso acontece e as duas crianças sobrevivem sozinhas com a ajuda do sobrenatural. Tudo leva a crer que a cabana onde se esconderam era assombrada e depois de cinco anos vivendo ali você pode imaginar o que irá acontecer. É nesse ponto que entra em cena o irmão gêmeo do pai delas, Lucas (o bom ator dinamarquês Nicolaj Coster-Waldau) que busca por cinco anos o paradeiro das sobrinhas. Quando elas são encontradas, os anos de isolamento social já tiveram um efeito devastador na formação das crianças, especialmente da mais jovem, Lily (Isabelle Nélisse) que possui um comportamento arredio que beira o selvagem. Já Victoria (Megan Charpentier), já possui lembranças capazes de reintegrá-la socialmente ao lado do tio. Junto com o tio e a namorada, Annabel (Chastain) - que toca numa banda de rock (toca baixo, claro!), usa maquiagem pesada e tatuagens, além de ser apresentada aliviada quando descobre que não está grávida - os quatro irão formar uma família que precisa aprender a conviver. A relação entre o quarteto ainda ganha um tom incomum quando precisam conviver numa casa indicada pelo psicólogo das crianças, um espaço sossegado (ou seria isolado) onde eles podem se conhecer melhor e ser acompanhados pelo doutor enquanto prossegue o processo de reintegração social. Existem alguns conflitos entre os personagens, mas nada muito profundo. Afinal, o que a plateia espera são os sustos por conta da enigmática "amiga imaginária" das meninas. O diretor Andrés Muschietti acerta ao não quando explora sustos sutis, como as que reconhecemos a presença da assombração no olhar da pequena Lilly, além dos momentos onde a ciência esbarra no desconhecido, mas o desfecho quase põe tudo a perder pelas doses generosas de exagero. A ideia de um fantasma maternal doentio funciona mais do que a pose de rebelde de butique criada por Jessica Chastain. Depois de tantas atuações excepcionais, Chastain prova que é humana em um personagem onde não consegue encontrar o tom. Vale contar que o catalão Andrés convenceu o estúdio a produzir o filme depois que exibiu seu curta (de três minutos com o mesmo nome), onde mostrava todos os elementos que gostaria de explorar no filme. Depois dessa estreia promissora, o rapaz merece atenção. 

Mama (EUA-2013) de Andrés Muschietti com Jessica Chastain, Nicolaj Coster-Waldau, Isabelle Nélisse e Megan Charpentier. ☻☻☻