terça-feira, 26 de março de 2013

DVD: Gorbaciof

Servillo e Yang: unidos pelo silêncio. 

Sempre que imaginamos um malandro ele não costuma ser um sujeito como  o protagonista de Gorbaciof, um homem de poucas palavras, sutis expressões faciais. Ele trabalha como caixa em um presídio e rouba o dinheiro do trabalho para sustentar o seu vício no jogo. O filme de Stefano Incerti deixa claro, desde o início, que irá imprimir à narrativa as características de seu personagem. Existem longos silêncios, ao mesmo tempo em que existe algo de desengonçado nos gestos e atitudes deste homem diferente. O apelido Gorbaciof lhe foi dado por conta da famosa mancha na testa (que alguns exagerados até consideravam uma marca da besta), e ele nem sempre lembra o próprio nome verdadeiro. Tirando a alegria (vivida com a tensão que só as mesas de jogo são capazes de proporcionar), sobra pouca coisa para que Gorbaciof (vivido por Toni Servillo com estranha precisão) ocupe seu tempo. Até o dia em que cai de amores pela bela Lila (Mini Yang), a filha do proprietário do restaurante chinês em que torra o dinheiro que rouba do trabalho. Lila é o total oposto de seu admirador, delicada e gentil, ele compartilha com ele o gosto pelo silêncio - já que ela só fala chinês e ninguém entende o que diz. Ele percebe que aquela garota frágil precisa de proteção e que ninguém poderá executar essa tarefa melhor do que ele. Eu pensava que deste ponto em diante o filme ficaria meio Taxi Driver (1976), mas caminha por um lado oposto. Incerti quer contar uma história de amor original e consegue construir belas cenas a partir dos encontros do casal, encontros em que os gestos e expressões faciais tornam as palavras completamente desnecessárias. São nesses momentos de intimidade silenciosa que aquele homem que parecia tão duro mostra outros traços de seu comportamento, traços que  que pareciam não existir até que Lila cruzasse seu caminho. Apesar do roteiro se aventurar nas possíveis consequências dos roubos do personagem, o filme caminha para uma conclusão visivelmente idílica: uma viagem que marcará um recomeço na vida do par romântico. Pena que seu protagonista resolveu dar um passo maior que a perna e corre sério risco de arriscar a boa vida que ambiciona ao lado de sua amada. Apesar de interessante, eu ficaria muito mais satisfeito se o filme tivesse um final feliz. Com todo o caminho torto de Gorbaciof eu imaginava que ele realmente poderia ser feliz, mas o filme era mais realista do que eu imaginava. 

Gorbaciof (Itália/2010)de Stefano Incerti com  Toni Servillo, Mini Yang, Gaetano Bruno e Nello Mascia. ☻☻☻

DVD: Life, Above All.

Esther e Chanda: a vida acima de tudo. 

Os números relacionados à AIDS no continente africano impressionam. Pesquisas da Organização Mundial de Saúde revelam que os africanos lidam com uma verdadeira epidemia. Em países como África do Sul e Zambia cerca de 20% da população jovem e adulta encontra-se contaminada. Em Botsuana o número chega a assustadores 39% de soropositivos entre a população de 15 a 45 anos. Ainda mais assustador é perceber que apenas 1% dos contaminados procuraram tratamento. Diante desses números é interessante ver um filme como o sul-africano Life, Above All que consegue fazer um retrato interessante sobre os temas relacionados à doença no continente, sendo que com o olhar de uma adolescente que descobre que a AIDS chegou em sua família. O filme já começa com a adolescente Chanda tendo que comprar um caixãozinho para a irmã bebê que acaba de falecer. A causa é aparentemente um mistério. Sua mãe não fala sobre o assunto, o padrasto prefere afogar as mágoas num boteco e quando aparece é para culpar a esposa de ter envenenado a criança com leite (e o fato dele ter várias parceiras sexuais não tem nenhuma relação com isso). A vizinha, amiga da família, prefere tentar evitar escândalos no pequeno vilarejo rural em que vivem e certificar-se que ninguém pensará que a causa da morte do bebê era algo diferente de uma forte gripe. Chanda (Khomotso Manyaka) tem 12 anos, sendo esperta o suficiente para perceber que existem mais coisas nas entrelinhas do que as pessoas querem comentar com ela. Na busca da menina para saber o que acontece com a família ela se depara com aspectos bastante relacionados à camuflagem da epidemia em seu país. Os sintomas da AIDS são vistos como uma maldição, uma penalidade envolta em crendices regionais, sendo assim, ao mesmo tempo em que a epidemia é camuflada, algumas pessoas se aproveitam da situação das formas mais variadas (seja para realização de um ritual religioso ou de consultas médicas picaretas que não são capazes de resolver o problema como se deveria). Além de mostrar os conflitos de Chanda com seus familiares - da mãe que percebe a doença como uma maldição, o padrasto que culpabiliza a esposa pelas mazelas da família, os irmãos mais novos que não entendem o que está acontecendo, os parentes que pretendem abafar   a situação - ainda existem dois outros personagens que complementam o universo construído pelo filme. Além da vizinha (Harriet Lenabe) que ganha cada vez mais força na narrativa pelo medo do preconceito que a doença gera, existe a jovem amiga de Chanda, Esther (Keaobaka Makanyane), que desde que perdeu sua família se prostitui para sobreviver (e mantém a trama ainda mais tensa por deixar a AIDS como uma ameaça sempre a espreita dos mais jovens). O diretor Oliver Schmitz tem vários filmes produzidos para a televisão e aqui demonstra total domínio de sua história. Existem momentos emocionantes na jornada de Chanda contra os preconceitos que só fazem a epidemia se propagar ainda mais. Defendido por um elenco competente (especialmente as jovens Manyaka e Makanyane)  o resultado é um filme bonito de se assistir e impossível de não comover com as atuações, além do respeito que a protagonista atribui à vida de quem está a sua volta.

Life, Above All (África do Sul/2010) de Oliver Schmitz com Khomotso Manyaka, Keaobaka Makanyane, Harriet Lenabe e Lerato Mvelase. ☻☻☻

segunda-feira, 25 de março de 2013

DVD: In Jeder Sekunde/At Any Second

Wotan e Mina: trama alemã com tempero mexicano. 

Não sei porque o filme não teve seu título traduzido para o português (A Cada Segundo). Para falar a verdade ainda estou pensando no motivo para o filme ter esse nome enigmático. O mais curioso é que apesar de se tratar de uma produção alemã, percebi no filme forte influência das tramas do mexicano Alejandro González Iñárritu, especialmente 21 Gramas(2003). In Jeder Sekunde conta paralelamente a história de duas pessoas e a forma como o roteiro irá juntá-las pela força que seus coadjuvantes possuem na trama, são os personagens secundários que movem os caminhos dos personagens principais. Mais curioso ainda é que, apesar do filme ter recebido alguma atenção por contar com a presença de Sebastian Koch (que dois anos antes protagonizou o cultuado A Vida dos Outros), a sua parte na história foi a que considerei menos interessante. Ele interpreta um médico que atua numa clínica para tratamento de viciados em drogas. Além de cuidar dos pacientes, quando chega em casa ele se dedica à filha de saúde frágil e ao casamento insosso. Para se divertir ele costuma fazer caminhadas num bosque perto de sua casa. Seu dia a dia é tão estruturado que ele até se anima com a possibilidade de um romance adúltero com a irmã de uma ex-paciente. Talvez pela intensidade sempre contida dessa relação, o romance do médico não conseguiu me empolgar, assim, eu sempre queria saber o que acontecia com a outra metade da trama: a que se dedica à bela Sarah (Mina Tander). Sarah é dona de uma loja de discos, mas se dedica também a uma carreira de DJ que parece nunca decolar.  Após ter problema com álcool e drogas ela vive sossegadamente - apesar de namorar Christoph (Wotan Wilke Möhring), um rapaz aparentemente bem nascido que se entrega cada vez mais a drogas variadas. O filme apenas sugere que Sarah percebe o quanto este relacionamento pode lhe fazer mal e ela desiste do relacionamento com Chris... é quando aparece o fotógrafo Ben (Ronald Zehrfeld) em seu caminho. Com Ben, Sarah  vive bons momentos até que ele recebe uma proposta de trabalho e tem que se afastar por alguns tempos. Não vale a pena mencionar o que acontece deste ponto em diante, mas o filme consegue embaralhar as duas tramas pelas interseções que se anunciam sutilmente desde o início. Não sei se era a intenção do diretor Jan Fehse, mas existe uma diferença de tom que pode incomodar nos núcleos de Sarah e do médico. Se a trama de Sarah é visivelmente mais intensa e envolvente, a do médico é de uma frieza insuportável. O mais legal é que no decorrer da trama é Wotan Wilke Möhring que rouba a cena como o ex-namorado que parece distante no início e ganha contornos mais vívidos pouco antes de ficar catatônico. É o seu olhar de desespero mergulhado na mais profunda culpa que fica na memória depois que o filme termina. Se o diretor houvesse se dedicado somente à Sarah e seus amores o filme poderia ser mais simples, mas renderia mais de 50% de interesse da plateia. 

In Jeder Sekunde/At Any Second (Alemanha/2008) de Jan Fehse com Sebastian Koch, Mina Tander, Wotan Wilke Möhring, Ronald Zehrfeld, Barbara Auer. ☻☻

DVD: O Hobbit - Uma Jornada Inesperada

Freeman (ao centro): provando que um Hobbit é menor que um anão.

Não precisa nem dizer que os boatos sobre esse filme começaram assim que a trilogia Senhor dos Anéis chegou ao fim. Havia tantas especulações e fofocas na mídia que o filme mudou de mão várias vezes. De início o mais cotado para dirigi-lo era Sam Raimi, depois Guillermo Del Toro (que acabou colaborando no roteiro), mas a pressão dos fãs foi tanta que o filme terminou assinado por Peter Jackson - que, convenhamos, desde que concluiu a saga de Frodo e seu bando andava devendo um filme interessante. Apesar de perceber o domínio que Jackson tem do universo criado por J.R.R. Tolkien, após assistir ao filme, eu só pensava no beneficio que outro diretor traria para a empreitada. Pode parecer implicância, mas O Hobbit não conseguiu me empolgar nem um terço do que os filmes anteriores conseguiram.Talvez eu tenha envelhecido mais do que imaginava, mas tudo me pareceu tão comum e trivial que poucos momentos se salvaram nessa jornada. De início o filme força um bocado para mostrar-se necessário ao Senhor dos Anéis, anuncia-se como uma espécie de epílogo dos filmes anteriores. Vemos Ian Holm e Elijah Wood repetindo seus personagens até que somos apresentados ao jovem Bilbo Bolseiro (Martin Freeman) e o dia em que um bando de anões invadiram sua casa com a influência do mago Gandalf (Ian McKellen). Os anões vieram convencê-lo a ajudá-los a tomar de volta o reino que foi invadido e destruído por um dragão que farejava ouro à milhas de distância. Depois de uma longa introdução, cheia de desentendimentos que pretendem ser engraçados (mas que considerei apenas tediosos), Bilbo acaba aceitando o desafio de participar daquela aventura. A partir daí é impossível não lembrar da famosa trilogia de Tolkien, a diferença é que O Hobbit não possui personagens tão fortes a serem desenvolvidos,, sendo assim, resta apelar aos personagens conhecidos do público em participações especiais que nem sempre tem muito a dizer. Christopher Lee, Cate Blanchett e Hugo Weaving aparecem em poucos momentos sem ter muito o que fazer - e o único que consegue se destacar na repescagem promovida pela trama é o antológico Gollum em sua primeira aparição em busca de seu precioso anel. Até este momento já se passou mais da metade do filme e tirando uma cena de ação aqui e outra ali (a mais impressionante é a dos gigantes de pedra) pouca coisa aconteceu. Existe a ameaça de um necromante, uma epidemia mortal entre os bichos da Terra Média e orcs mal intencionados, mas nada consegue disfarçar o quanto o filme enrola para fazer um livro simples (de 310 páginas) ter material para uma nova trilogia (cada livro da trilogia do anel tem quase 500!). Justiça seja feita que a maquiagem, a direção de arte, os figurinos, fotografia e trilha sonora são de um cuidado louvável, mas o ponto fraco do filme é o roteiro propositalmente ralo para dar conta de mais dois filmes a serem lançados em breve. No final, onde os personagens contemplam no horizonte distante seu objetivo, a minha insatisfação chegou ao auge ao me dar conta que o mesmo deve se suceder nos próximos filmes desta saga anunciada. Apesar de retomar o primor estético de Tolkien no cinema, o filme não me convenceu que uma nova trilogia na Terra Média era necessária.

O Hobbit - Uma Jornada Inesperada (The Hobbit - An Unexpected Journey/EUA-Nova Zelândia/2012) com Martin Freeman, Ian McKellen, Richard Armitage, Adam Brown, Hugo Weaving, Ian Holm e Elijah Wood. ☻☻

quarta-feira, 20 de março de 2013

LADIES & GENTLEMEN: Joel Edgerton

O australiano Joel Edgerton nasceu em 23 de junho de 1974 e se dedicou à escola de arte dramática a partir de 1994. Joel começou a ganhar fama em seus trabalhos na TV australiana e pode não ser um nome conhecido do grande público ainda, mas tem se tornado um rosto cada vez mais visto em produções importantes. Até 2001 sua carreira ficou concentrada em séries de TV, algumas participações em filmes (especialmente curtas-metragens), mas seu primeiro papel com algum destaque no cinema americano foi no papel de Owen Lars em Star Wars  - O Ataque dos Clones (2002), depois acabou coadjuvando os conterrâneos Guy Pearce e Rachel Griffith em O Grande Roubo no mesmo ano. Seu maior destaque foi ao participar da série The Secret Life of Us, que rendeu o convite para estrelar ao lado de Orlando Bloom, Heath Ledger, Geoffrey Rush e Naomi Watts a adaptação de Ned Kelly (2003) para o cinema. Ainda que seu personagem tivesse algum destaque (chegou a ser indicado a prêmios), ainda não era daquela vez que o ator ganharia fama. Ele ainda teve que se contentar com os papéis modestos em produções ambiciosas como Rei Arthur (2004) e no episódio final de Star Wars (2005). Edgerton chegou a chamar atenção em suas participação na comédia britânica Kinky Boots (2005) e no drama Open Window (2005) ao lado de Robin Tunney, mas precisava mais do que papéis em filmes modestos. Após ser uma das peças do filme de ação A Última Cartada (2006), o ator voltou a se dedicar às séries de TV deixando sua carreira nos filmes restrita aos curtas metragens. Depois da participação em dois filmes independentes que quase ninguém viu em 2009, o ator foi escalado para  participar de Reino Animal do diretor David Michôd. O filme fez muito sucesso em festivais de cinema independente e conseguiu até uma indicação ao Oscar com sua trama cheia de tensão ao acompanhar uma família de bandidos. Num ambiente que parece prestes a explodir, Edgerton interpreta Barry, um dos membros mais sensatos do clã que tenta manter algum equilíbrio naquele universo - mas um acontecimento em sua vida irá mudar o rumo de todos os membros da família. O filme deu destaque ao ator que conseguiu convites variados, como o pedido para emprestar a voz para uma das corujas de A Lenda dos Guardiões (2010) ou viver o lutador de MMA cheio de dramas familiares em Guerreiro (2011) - filme em que ao lado de Tom Hardy interpreta algumas das cenas de luta mais inacreditáveis do cinema. Ainda não sei muito bem como ele foi se meter na refilmagem fracote do terror Enigma de Outro Mundo (2011), mas sua atuação no aclamado Wish you Were Here (2012) o redimiu de qualquer repreensão da crítica. O filme australiano, inédito por aqui, recebeu elogios pela sua trama sobre o desaparecimento de um homem. Ainda no ano passado, Edgerton viveu o pai dedicado de A Estranha Vida de Timothy Green, fábula simpática sobre um menino que "brota", literalmente, das expectativas de seus pais plantam no jardim. Além disso, Joel teve papel de destaque em A Hora Mais Escura, filme de Kathryn Bigelow que causou polêmica ao abordar as investigações da CIA que culminaram com a prisão de Osama Bin Laden. O filme concorreu a cinco Oscars (incluindo melhor filme), mas ganhou somente o de melhor edição de som.  Em 2013, Joel Edgerton poderá estar no papel que lhe renderá a primeira indicação ao Oscar, ele é coadjuvante de Leonardo DiCaprio na versão do conterrâneo Baz Luhrman para O Grande Gatsby de F. Scott Fitzgerald. Na pele de Tom Buchanan, o ator pode receber ainda mais destaque em sua carreira que promete ganhar espaço em Hollywood nos próximos anos.

Com Jacki Weaver em Reino Animal: primeiro grande sucesso. 

DVD: A Estranha Vida de Timothy Green

Garner, Adams e Edgerton: tentando ser uma família comum. 

Todo mundo sabe que os filmes produzidos pela Disney são realizados dentro de um conjunto de parâmetros que, se por um lado confere uma identidade própria ao estúdio, por outro, engessa tramas que poderiam render muito mais na telona. Os efeitos disso podem ser visto nos últimos longas da Pixar (após a junção com o estúdio) e também em produções como A Estranha Vida de Timothy Green, filme simpático que poderia ser muito mais se não abandonasse pelo meio do caminho tudo o que a premissa tem de mais original para injetar doses cavalares de açúcar na história da família Green. Cindy (Jennifer Garner) e Jim (Joel Edgerton) formam um casal feliz, mas desde o início sabemos que não podem ter filhos. A dificuldade para que consigam gerar um herdeiro os deixa profundamente tristes, mesmo assim costumam fantasiar sobre como seria o rebento de ambos. Numa dessas fantasias, escrevem todas as expectativas que nutriram sobre o pequeno que nunca chega, colocam essas expectativas numa caixinha e enterram no quintal. Depois de uma chuva misteriosa, os dois se deparam com um menino chamado Timothy (CJ Adams) que possui todas as características desejadas por eles, só que com folhas que nasce de suas pernas.   Esse elemento mostra que trata-se de uma fábula, mas não uma qualquer, uma construída por Peter Hedges - que já demonstrou gostar de tramas familiares em seus roteiros de Gilbert Grape (1993) e Um Grande Garoto (2002), assim como em seus filmes como diretor, Do Jeito que Ela é (2003) e Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada (2007). Quem conhece sua filmografia sabe que ele consegue equilibrar drama com toques de humor na medida certa, mas sua receita ganhou o acréscimo de elementos mágicos que nem sempre são bem aproveitados pelo roteiro. Por mais que seja poético o efeito das folhas que caem aos poucos do menino, não deixa de causar estranhamento que as pessoas aceitem a presença de Timothy com tanta facilidade. Tirando os comentários da tia esnobe (vivida por Rosemary Dewitt) e um incidente na escola, tudo se resolve tão facilmente que beira o superficial quando o assunto é a relação de Timothy com o mundo. Obviamente que o novato CJ Adams esbanja carisma, mas seu personagem lhe permite poucas possibilidade de se impor no mundo que o cerca. Toda essa ausência de conflitos pode ser atribuída ao tom de fábula que o diretor adotou em sua empreitada. No entanto, me incomoda mais a falta de sutileza como o filme aborda a competitividade quase doentia que existem entre os pais da trama -  que os leva a cometer vários equívocos -  e a pendenga que Jim tem com o seu pai ausente (David Morse). No fim das contas, o filme consegue dar conta do básico em suas intenções, pena que perde a chance de se tornar um filme ainda mais interessante se aprofundasse as questões voltadas para o respeito à diferença que está sempre abafado pelo andamento da trama. Mesmo assim, por ser bem feitinho e com bom elenco, acredito que alguns chorões vão precisar de um lencinho ao final da trama. 

A Estranha Vida de Timothy Green (The Odd Life of Timothy Green/EUA-2012) de Peter Hedges com Jennifer Garner, Joel Edgerton, CJ Adams e David Morse. ☻☻☻

KLÁSSIQO: Doutor Jivago

Christie e Sharif: romance épico e Revolução Russa. 

Minha mãe sempre disse que Doutor Jivago era um dos seus filmes favoritos. Eu cresci ouvindo o "Tema de Lara" na vitrola lá de casa e acho que faz mais de vinte anos que o assisti pela primeira vez. Neste final de semana eu o assisti novamente e ele continua funcionando que é uma beleza! Baseado na obra de Boris Pasternak, o filme conta um romance cheio de idas e vindas tendo como pano de fundo as transformações geradas pelos bolcheviques na Rússia. Não há duvidas de que o cineasta David Lean é um mestre em contar histórias grandiloquentes, prova disso é que quase meio século depois de seu lançamento, ele continuar envolvente em sua narrativa, provando-se um espetáculo cinematográfico belíssimo. Acho interessante como o filme mantém no roteiro sua estrutura literária - onde os personagens são apresentados quase que paralelamente, até que se encontrem e desfrutem do amor somente quando sabemos que o final se aproxima. Não deixa de ser fascinante como o filme constrói uma heroína romântica diferente, com elementos que podem facilmente ser percebidos como desvios de caráter, mas tem ciência de que o público é esperto para ver mais do que isso. Embora o filme comece na busca pela filha de Jivago e Lara, os dois demoram bastante para consumar o seu romance. Somos apresentados a Jivago quando ele ainda menino vai morar com os tios depois. O menino cresce, torna-se médico (já na pele do egípcio Omar Sharif) para a alegria dos tios que sempre demonstraram interesse em uni-lo à prima Tonya (uma graciosa Geraldine Chaplin). Paralela a essa história conhecemos Lara  (Julie Christie, que não me convence que tem 17 anos - ela já tinha 24 durante as filmagens) que é molestada por um dos homens mais influentes da sociedade local e torna-se amante dele, ainda que seja ofendida constantemente pelo asqueroso parceiro. Enquanto Jivago pertence à alta sociedade, com grandes posses e festas luxuosas, Lara tem uma vida mais humilde ao lado da mãe e se esforça para concluir seus estudos enquanto tem um amigo, Pasha (Tom Courtenay) que está envolvido com o clima pré-revolução que cresce na Rússia - vale ressaltar que este será seu marido. A revolução bolchevique de 1917, que marca a queda do Czar e chegada de Lenin ao poder, serve de pano de fundo para a história de Lara e Jivago que irão se encontrar na I Guerra Mundial e nutrirão um amor platônico até que ele se concretize na grande transformação que o país sofrerá. É sempre saboroso assistir a uma bela produção que mistura ficção com a história de "H" maiúsculo. Existe tamanha complexidade na construção dos personagens e suas relações que é impossível não se envolver com os dramas e sacrifícios de Jivago, Lara, Pasha e Tonya. David Lean capricha nas locações, nas belas cenas e na trilha sonora, que junto à fotografia, emolduram a trama com maestria, no entanto, talvez por se concentrar no olhar do protagonista sobre a Revolução o espectador menos esclarecido não se dê conta do que está acontecendo no contexto histórico - o que talvez seja a maior ironia do filme, já que o modelo de sociedade que nascia, a subjetividade nunca deveria se sobrepor ao coletivo (sendo essa uma das causas das perseguições a Jivago por se dedicar à poesia). Obviamente que o espectador disposto a embarcar nas três horas de torcida por Lara e Jivago não irá reparar esse detalhe! De resto é curioso ver Julie Christie com sua beleza agressiva (ainda percebo nela o mesmo vigor até hoje) e o egípcio Omar Sharif arrasando corações no auge de sua popularidade (ganhou até o Globo de Ouro de Ator pelo papel). Um épico daqueles que quase não se vê mais. O filme ganhou 5 Oscars dos 10 a que concorreu, curiosamente,  Tom Courtenay foi o único lembrado pela Academia, concorrendo ao Oscar de coadjuvante.

Doutor Jivago (Doctor Zhivago/EUA-1965) de David Lean com Omar Sharif, Julie Christie, Tom Courtenay, Geraldine Chaplin, Rod Steiger e Alec Guiness. ☻☻☻

terça-feira, 19 de março de 2013

DVD: Um Inferno

Lars: sobrevivendo ao fim do mundo. 

Acho interessante como os filmes pós-apocalípticos recentes tem investido cada vez mais em uma realidade futurística onde o mundo se tornou um imenso deserto. Com o planeta insuportavelmente quente (pela gradativa destruição da camada de ozônio) e a consequente destruição da fauna, flora e dificuldade de reservas naturais de água potável, esta realidade parece cada vez mais próxima quando nos deparamos com termômetros denunciando temperaturas que beiram os cinquenta graus em nosso verão tropical. Um cenário desses poderia até render mais um filme catástrofe com a assinatura de Roland Emmerich, de  2012 (2011) ou O Dia Depois de Amanhã (2004), mas acabou gerando um filme alemão produzido por este diretor de blockbusters. Enquanto Roland dava os últimos retoques no seu shakesperiano pretensioso Anônimo (2011), ele bancou este filme modesto mas realizado com extrema competência pelo diretor Tim Fehlbaum. Um Inferno se passa num futuro próximo onde a exposição ao sol por tempo prolongado pode causar queimaduras fatais. Nesse ambiente desolador, duas irmãs e o namorado de uma delas vagam em busca de um lugar onde possam encontrar água ou mantimentos. Pelo caminho, precisam de combustível e disposição para driblar pessoas que estão dispostas a fazer qualquer coisa para se manterem vivas. É na parte onde o sol é uma ameaça - e com o reforço da premiada fotografia de luz cegante (e deslumbrante) de Markus Förderer - que o filme tem seus melhores momentos. Depois, quando o sol vai embora, é curioso como o filme se torna mais sombrio e próximo de um filme de terror do que pudessemos supor na construção da situação infernal anunciada pelo título. No caminho do trio, que logo se torna um quarteto, estão armadilhas que os levarão de encontro a uma família que esconde debaixo de sua aparente solidariedade, intensões não muito nobres. Embora Um Inferno nunca perca de vista as relações (maternais, fraternais ou sexuais) entre seus personagens (e aí reside um dos seus maiores méritos), sua originalidade se dissolve aos poucos numa trama que lembra tantas outras que já vimos em filmes de terror menos elaborados do que a proposta inicial de Fehlman. Ainda assim, as surpresas que Um Inferno arma o espectador consegue manter a atenção e envolver o espectador no embate estabelecido entre duas "famílias" pela sobrevivência.  Até o final, que reserva alguma esperança para aqueles que sobrevivem a uma realidade tão árdua (e cada vez mais próxima), o título Um Inferno parece ser uma referência maior à barbárie do que ao calor ameaçador. 

Um Inferno (Hell/Alemanha-2011) de Tim Fehlbaum com Hannah Herzprung, Lars Eidinger, Lisa Vicari, Stipe Erceg e Angela Winkler. ☻☻☻

CATÁLOGO: Medo e Delírio

Toro e Depp: corações (drogadamente) psicodélicos. 

Faz tempo que considero o diretor Terry Gilliam perdido. Acho que desde 1995, ano em que lançou o antológico 12 Macacos que o ex-Monty Python anda tropeçando ao contar suas histórias. O primeiro passo para o estado atual de sua carreira foi quando se meteu a adaptar esta obra de Hunter S. Tompson para a telona. Tompson ficou famoso por sua escrita estravagante que deu corpo para o chamado jornalismo gonzo, onde autor, sujeito, ficção e não-ficção se misturavam numa espécie de narrativa de um universo paralelo aos parâmetros realistas do jornalismo. No livro,  Raoul Duke viaja para Las Vegas para cobrir uma corrida de motocross e uma convenção de promotores públicos sobre o uso de drogas. Além das toneladas de drogas das mais variadas, Raoul conta com a companhia de seu amigo bizarro Dr. Gonzo. Lançado em 1971 e ilustrado por Ralph Steadman, o livro se tornou um sucesso por ser uma jornada ironicamente psicodélica pelo "sonho americano". O texto freneticamente alucinado que mistura os assuntos favoritos do escritor (drogas, esporte, violência e política) pode conquistar fãs até os dias atuais, mas o filme de Gilliam é um desastre. Estrelado por Johny Depp na pele de Raoul Duke, o filme nunca consegue ser engraçado, dramático ou provocador. Resulta uma sucessão de uso de drogas envolto nas imagens calcadas nas alucinações mais doidas dos personagens. O resultado parece um teste de paciência para o espectador que precisa se contentar com uma dupla que consome maconha, mescalina, cocaína, LSD, éter entre outras substâncias alucinógenas como se estivessem comendo jujubas. Tanto consumo rende cenas esquisitas que nunca conseguem fazer com que o espectador se envolva com o fiapo de história. Claro que existem momentos interessantes como o restaurante de lagartos ou o tapete que ganha vida, mas é só! Visto hoje, o filme já mostrava alguns trejeitos que Depp usaria em vários de seus papéis esquisitos posteriores - o que só piora a situação do filme. Embora o elenco conte ainda com um bizarro Benicio DelToro, Tobey Maguire de cabelo mais do que esquisito e pontinhas de Cameron Diaz, Ellen Barkin, Flea e Lyle Lovett, o que mais chama atenção são os truques do diretor para reproduzir as alucinações dos personagens - além da fotografia de tons gritantes que estabelece o mundo apresentado como um universo além do nosso. Os diálogos acelerados, a edição rápida e a carência de um fio condutor para a trama deve transformar o filme em uma obra ainda mais árdua para o espectador. Acusado de fazer apologia ao uso de drogas o filme foi um fracasso nas bilheterias, mas não considero que seja por moralismo, mas por ser uma jornada tediosa e desinteressante guiada por dois sujeitos que nunca se tornam personagens, apenas caricaturas em si mesmos. O engraçado é ano passado, Depp voltou a viver um tipo bastante parecido criado por Tompson em Diário de Um Jornalista Bêbado, outro fracasso de bilheteria que prometo comentar em breve. 

Medo e Delírio (Fear and Loathing in Las Vegas/EUA-1998) de Terry Gilliam com Johny Depp, Benicio DelToro, Cameron Diaz e Tobey Maguire. #

domingo, 17 de março de 2013

DVD: Um Verão Escaldante

Monica e Louis: mais cerebral do que tórrido. 

Talvez quem tenha assistido A Fronteira da Alvorada (2008) de Phillipe Garrell  possa achar Um Verão Escaldante mais interessante. Como eu não assisti, vi o filme como um desses que você se depara e fica remoendo detalhes para perceber se ele é bom ou não. Existem alguns pontos que considerei relevantes. O filme mostra o encontro de dois casais de amigos que são bastante diferentes entre si. Um deles é formado por um pintor Frederic (Louis Garrell) que é casado com um estrela do cinema italiano, Angéle (Monica Bellucci). Rico e com dinheiro, o rapaz poderia viver no paraíso sem preocupações ao lado de sua musa, mas vive insatisfeito e inseguro por ser casado com uma mulher muito mais interessante do que ele (nesse quesito o olhar constantemente apático de Louis consegue expressar bem o desinteresse de seu personagem pelo mundo). É quase que por acaso que ele se torna amigo de   um ator sem eira nem beira chamado Paul (Jérôme Robart). Apesar de boa gente até o osso, Paul dá graças a Deus quando consegue papéis pequenos em produções cinematográficas. Num desses trabalhos ele conhece Élisabeth (Céline Sallette), uma jovem atriz que também não encontrou a fama, mas que percebe que Paul pode ser uma boa companhia para seus dias. Paul e Élizabeth vão visitar Frederic e acabam convidados para morar com eles. Apesar do estranhamento inicial eles acabam aceitando e torna-se impossível para o espectador não comparar o relacionamento que existe entre os dois. Se a intimidadora Angéle e a singela Élisabeth se tornam amigas, Paul e Jérome estreitam cada vez mais os seus laços, ainda que Jérome morra de ciúmes do amigo com Angéle. Se o casal rico sempre entra em conflitos com suas expectativas e ambições, Paul e Angéle preferem deixar as coisas acontecerem (apesar dela ficar incomodada com a companhia constante de Fréderic). Em determinado momento é como se o relacionamento de um casal infectasse o outro, mas é a presença de um quinto elemento (um cineasta vivido por Vladislav Galard) que esgarça ainda mais a relação desgastada de Angéle e Frederic. Quem embarcar no título em busca de um romance tórrido irá se decepcionar (apesar de uma cena de Monica nua a cena mais caliente é quando ela dança ao som de Dirty Little Things numa festa). O filme é bastante casto e um tanto cerebral demais na abordagem da amizade entre os personagens, mas não deixa de ser romântico ao sinalizar o desfecho feliz de um deles. Outra curiosidade do filme é o fato que a violência só aparece quando surge um filme dentro do filme. Talvez o que o diretor queira dizer é que os personagens de Um Verão Escaldante podem até ser passionais, mas nunca estravazam esse sentimento além da arte. O efeito disso? É melhor ver o filme. 

Um Verão Escaldante (Un Êté Brûlant/França-2011) de Philippe Garrel com Louis Garrel, Jerôme Robart, Monica Bellucci, Céline Sallette e Vladislav Galard. ☻☻

CATÁLOGO: O Estranho em Mim.

Rebecca e o maridão: olhar gélido sobre a depressão. 

Depressão pós-parto não costuma ser o centro de tramas sobre a maternidade, geralmente é um aspecto que aparece e depois desaparece feito mágica! No alemão O Estranho em Mim a coisa é bem diferente - já que o roteiro é totalmente voltado para o tema. Estudos afirmam que 15% das mães de todo o mundo sofrem desse mal por conta da confusão hormonal que se estabelece no organismo com a  gestação. Até que tudo volte ao normal a vida da mamãe novata pode ser bastante complicada, tão complicada quanto a de Rebecca (Susanne Wolff). De início percebemos que ela encara a gravidez com naturalidade, tanta naturalidade que nem afeta sua vida sexual com o esposo (Johan von Buelow), mas as coisas mudam drasticamente com a chegada de seu pequeno filho. Sentindo-se deslocada, e até sobrecarregada com a responsabilidade de ter que zelar pelo pequenino, Rebecca avança da apatia para ameaça ao filho em poucos dias. Nesses momentos de angústia silenciosa o filme culmina na apavorante cena em que Rebecca cogita afogar o filho na banheira e cabe à atriz defender uma personagem que poderia cair facilmente na caricatura de uma vilã, mas ela consegue fazer com que Rebecca transpire estranhamento por si mesma. Do dia em que esquece o carrinho com o bebê no ponto de ônibus, ao dia que foge para um bosque e parece morta por algumas horas, percebe-se que Rebecca está longe de seus melhores dias. O interessante é que depois dessa parte centrada na personagem, o filme amplia o seu drama para a incompreensão da sociedade para a depressão pós-parto. Tratada como uma mãe desnaturada, família e amigos estão mais interessados em criticá-la do que ajudá-la a entender o que está acontecendo. Nessa parte é interessante perceber também o conflito do esposo, que se vê diante de uma situação complicada, onde a mãe torna-se uma ameaça para o bebê e resta-lhe perceber que a família que acaba de crescer está se desfazendo - e ele nem pode fazer muita coisa. Essa relação que tenta se reestabelecer no casal  que confere alguma angústia ao momento em que Rebecca se submete ao longo e demorado processo de recuperação (onde o medo de errar enquanto mãe aparece nas situações mais simples). Sendo bem vindo por abordar um assunto difícil com bastante eficiência, O Estranho em Mim pode decepcionar pela frieza com que a diretora conta a sua história. Momentos como a cunhada frustrada que proíbe a mãe de pegar o filho no colo ou o momento em que o esposo precisa enfrentar os preconceitos para ter a família junta novamente mereciam um pouco mais de ímpeto do que o tom contido que perpassa toda a sessão. Fico pensando o efeito da cena do bebê na banheira se aparecesse numa novela das oito! Penso que cenas chocantes como essa que nos fazem pensar no que leva uma mãe a se desfazer de seu filho como se fosse um saco de lixo...

O Estranho em Mim (Das Fremde in Mir/Alemanha-2008) de Emily Atef com Susanne Wolff, Johann Von Buelow e Hans Diehl. ☻☻☻

CATÁLOGO: Corpo

O elenco e o corpo: fantasmas da ditadura. 

Num cinema amarrado ao financiamento de empresas privadas interessadas nos incentivos fiscais é difícil ver um filme como Corpo. Lembro quando o filme estreou nos cinemas e a distribuição foi precária - e encontrar um DVD do filme em locadoras beira o impossível. Sorte que numa madrugada dessas do Canal Brasil eu o encontrei e fiquei intrigado não só com a trama cheia de mistérios, mas, principalmente pela forma como a dupla de diretores consegue acertar no difícil e acertar no fácil. O filme tem o ponto de partida original de ter como protagonista um legista do IML. Artur (Leonardo Medeiros) já está tão acostumado a ver aqueles corpos vítimas de todo tipo de situação que consegue  reagir a todos eles com indiferença. Sua rotina já está tão entranhada que até quando vai para casa especula como seria a autópsia das pessoas que encontra pela rua. A sensação no espectador é estranha, mas somente um ator do porte de Medeiros para não fazer o personagem parecer um  maníaco, mas um sujeito que tem mais do que ciência de que a morte pode chegar para qualquer um a qualquer momento. Diferente da forma como Artur naturalizou seu ofício está sua superior, Lara (Chris Couto) que ainda vê graça em ver corpos sendo dissecados em cenas comparáveis a que vemos em CSI. Engraçado é como essa forma de encarar o trabalho vivida pelos dois personagens irá se inverter quando junto com um avalanche de ossadas encontrada numa vala estiver o corpo de uma mulher intacta, que parece ter sido conservada nos últimos trinta anos por algum método desconhecido. Enquanto Lara fica mais preocupada com "produtividade" em ler as ossadas, Artur está mais interessado em descobrir quem era aquela mulher. Como as ossadas são associadas a pessoas desaparecidas durante a ditadura, a referência para a investigação dele segue por esse caminho. Enquanto o protagonista tenta descobrir a história do corpo, o filme consegue trabalhar bem seus mistérios e estranhamentos, no entanto, quando começa a apresentar uma explicação... a coisa começa a desandar... especialmente quando entra em cena a maluquete Fernanda (Rejane Arruda) que poderia ser intrigante e rechear o filme com seus segredos, mas consegue ser apenas irritante. Da forma como é apresentada a personagem parece que está ali só para confundir o espectador em aparições que conseguem dispersar toda a tensão que era construída com tanto esmero. Mais eficiente do que Fernanda são os flashbacks que demonstram ser um eficiente quebra-cabeças (apesar do texto nesses momentos ser repleto de clichês), penso que um elemento deveria complementar o outro, mas é neste ponto, que o roteiro deveria ser bastante revelador, que o filme começa a perder fôlego. Com boas ideias e bem realizado (ótima edição, fotografia estilosa e ousadia, digamos, "estomacal") o filme consegue prender a atenção, só poderia se enrolar menos em seus próprios truques. O final deixa as explicações subentendidas  e evidencia onde os diretores pecaram durante a sessão: às vezes, explicar demais é bem menos interessante do que estimular a mente do espectador em buscar respostas. Corpo propõe uma interessante reflexão sobre a identidade e as feridas da ditadura, um tema ainda pouco explorado em nossa cinematografia. 

Corpo (Brasil/2007) de Rossana Foglia e Rubens Rewald com Leonardo Medeiros, Chris Couto, Rejane Arruda, Louise Cardoso e Rejane Alves. ☻☻☻

terça-feira, 12 de março de 2013

DVD: Frank & o Robô

Langella e (a voz) de Sarsgaard: simplesmente amigos. 

Sempre que assisto ao filme Frost/Nixon (2008) me pergunto se o veterano Frank Langella não merecia mais aquele Oscar de ator do que Sean Penn. Seu trabalho é tão brilhante que desde então seus filmes receberam outra atenção de minha parte, tanto que ele foi um dos motivos para que eu gostasse ainda mais do desprezado A Caixa (2009) e ficasse inquieto quando soube da exibição deste Frank e o Robô no Festival de Sundance no ano passado. Ambientado num futuro próximo, o longa metragem de estreia de Jake Schreier consegue ser um filme tocante sobre solidão, amizade e envelhecimento. O filme poderia facilmente cair no melodrama, mas o diretor consegue manter o equilíbrio num roteiro original e bastante interessante. Recém chegado nas locadoras brasileiras, o filme merece atenção pela forma como aborda os temas de sua trama. Frank (Langella, em outra atuação excepcional) é um ladrão aposentado, que passa o tempo visitando uma biblioteca em fase de modernização (todos os livros serão escaneados e queimados... podem me chamar de antiquado, mas isso me dói só de imaginar). Ele recebe visitas mensais do filho (James Marsden) e  conversa com a filha (Liv Tyler) através do videofone. Devido ao passado conturbado, Frank vive sozinho. Pela bagunça em sua casa e os problemas de memória que se agravam com o tempo, podemos perceber que Frank anda meio sem rumo. Sua companhia mais próxima acaba sendo a bibliotecária (Susan Sarandon) com quem parece manter um flerte constante. No entanto, a vida deste senhor tomará novo rumo quando ganha, de presente do filho, um robô programado para zelar pelo seu bem estar. No início ele estranha aquela companhia, mas com o tempo, descobre que ter o robô por perto pode não ser tão ruim - especialmente quando descobre que consegue driblar a programação dele e instruí-lo a realizar furtos pela vizinhança. Isento de dilemas morais e com grande habilidade com as mãos, o robô passa a ser o  comparsa perfeito para o cansado ladrão. O curioso é que conforme a trama avança, percebemos que os dois se tornaram mais do que uma dupla de ladrões, mas amigos fiéis - ao ponto de Frank hesitar em apagar as memórias do parceiro, mesmo quando contem informações que possam depor contra ele. Este dilema é um dos elementos que tornam o filme mais interessante, especialmente pelo fato de um homem com a memória deteriorada não consegue conceber que uma máquina possa conviver com isso de forma tão passiva. Sem exageros na abordagem da relação entre os dois personagens, o filme consegue realizar um delicado desenho da dupla protagonista. Frank Langella tem ótimos momentos em cena, especialmente quando descobre o quanto sua mente pode ser traiçoeira. Sua atuação é acompanhada de perto pela interpretação (vocal) de Peter Sarsgaard como seu fiel escudeiro cibernético. Juntos eles conseguem dar aos dilemas morais e a ética distorcida de Frankie uma complexidade superior a maioria das dramédias lançadas recentemente. Ternamente sem pressa ao contar sua história, o filme tem tudo para se tornar cult com sua chegada às prateleiras. 

Frank e o Robô (Robot & Frank/EUA-2012) de Jack Schereier com Frank Langella, Peter Sarsgaard, James Marsden, Liv Tyler, Susan Sarandon e Jeremy Sisto. ☻☻

DVD: Ninguém Além de Você

Sophie e Jean: mistério e humor na morte da Marilyn francesa. 

Misturar comédia e mistério é uma tarefa tão difícil que poucos diretores se aventuram pelo gênero.  Nos últimos tempos o que temos são paródias ou, no máximo, algo próximo de Se Beber Não Case (2009). Por isso mesmo o filme Ninguém Além de Você se torna uma grata surpresa pela forma como deixa sua trama envolvente a partir do (im)provável suicídio da garota mais querida de uma cidadezinha gélida nos cafundós do norte francês. O diretor Geráld Hustache-Mathieu consegue temperar com humor uma trama que poderia ser apenas mais uma filme policial mediano, mas esse tempero torna tudo que poderia ser insuportável em uma obra surpreendente - inclusive pelo final inesperado. O filme brinca o tempo todo com o cinema noir, com referência especial ao universo de James Ellroy - onde os personagens que desejam ser estrelas de cinema acabam padecendo em em redes conspiratórias e assassinatos. Para reforçar esse aspecto o protagonista é até um escritor de romances policiais. Rousseau (Jean-Paul Rouve) é um autor famoso que chega naquela pacata cidadezinha para conseguir escrever seu novo livro. Em busca de inspiração, acaba sendo informado sobre o estranho suicídio de uma estrela local: Candice Lecoer (Sophie Quinton), que ficou famosa por estampara a embalagem de um queijo ("Belle de Jura"). Candice chega até mesmo a narrar partes do filme, do período em que era uma criança perseguida na escola, até o momento em que é descoberta e começa a aparecer na televisão local e em campanhas publicitárias. Apelidada de Marilyn Monroe da região de pois de uma sessão de transgressão de memória, Candice era uma estrela promissora até seu corpo ser encontrado no meio da neve num bosque próximo de sua casa. Rousseau estranha o cenário daquela morte e começa  a investigar por conta própria, se metendo num emaranhado de suspeitos (leia-se amantes) que apontam cada vez mais para as evidências de que o ocorrido não foi um suicídio. Além de contar com a sensualidade na medida certa de Sophie - na pele de uma personagem que evoca alguns dos momentos antológicos de Marilyn (o envolvimento com uma família de políticos, as poses para a revista Playboy, o Happy Birthday mais famoso do mundo e até o desfecho de sua trajetória) -  o filme se beneficia bastante da atuação despojada de Jean Paul Rouve, que não precisa ter a postura endurecida de um policial, nem diante dos atentados que passa a sofrer. Sem pudores em ser desajeitado, Rousseau conta com a ajuda de um parceiro policial (Guillaume Gouix) que o ajuda a conseguir pistas sobre o caso - que só evidenciam que fãs, amigos e amantes tiveram sua parcela de culpa no final da promissora estrela. Com bons momentos de suspense e bem fotografado,  Ninguém Além de Você chamou atenção quando foi exibido na Mostra Internacional de São Paulo, mas fica ainda melhor quando visto numa daquelas tardes chuvosas debaixo das cobertas. 

Ninguém Além de Você (Poupoupidou/França-2011) de Geráld Hustache-Mathieu com Jean Paul Rouve, Sophie Quinton, Guillaume Gouix. ☻☻

segunda-feira, 11 de março de 2013

MOMENTO ROB GORDON: Novas canções para Bond

Longe de mim querer duvidar dos méritos de Adele cantando a música tema do último filme de 007! O fato é que a moça que dá voz para Skyfall conseguiu tudo que uma cantora quer quando se mete num projeto desse porte: sucesso, elogios, Globo de Ouro e Oscar! Deve ter uma fila de cantoras e produtores negociando as canções para os novos filmes de James Bond que serão produzidos nos próximos anos. Claro que talento e capacidade de dar uma roupagem contemporânea a um gênero bastante específico da música pop conta muitos pontos na hora da escolha de quem será  o próximo a se meter num projeto desses. Por isso, preparei minha lista com cinco nomes que seriam capazes de produzir sucessos em potencial para os créditos de 007:

                         05 Melody Echo Chamber
O nome artístico da cantora francesa Melody Prochet esconde uma voz suave acoplada a um ritmo psicodélico que mistura rock com eletrônica num resultado bastante interessante. Seu álbum de estreia, lançado no ano passado, traz forte influência da música pop da década de 1960. Para sentir o efeito que a mistura das batidas árduas e a fragilidade de sua voz é capaz de fazer à atmosfera de 007, basta ouvir o que a moça faz em "You Won't be Missing that Part of Me".


04 Blonde Redhead
Uma das bandas que tenho mais escutado nos últimos meses daria uma excelente trilha sonora de James Bond. Formada desde 1993 em Nova York, a  banda já está em seu oitavo álbum (o ótimo Penny Sparkle lançado em 2010) e tem como maior destaque a voz fina/sussurrante de Kazu Makino (ao centro) que completa a sonoridade atmosférica dos gêmeos Simone e Amadeo Pace. Guitarras economicamente precisas e o uso cool de sintetizadores marcam a fase atual da banda que poderia embalar as aventuras de Bond com uma canção do quilate de "Not Getting There".


03 Cat's Eyes
A impressão que tenho é que a dupla formada pelo vocalista do The Horrors Faris Badwan e a soprano canadense e multinstrumentista Rachel Zeffira já ensaia uma canção para James Bond desde que lançaram "Over You", single lançado em julho de 2011 após o lançamento do primeiro álbum homônimo da banda. A sonoridade pop-retrô rendeu fãs no universo moderninho que busca um pouco de pop/rock alternativo e experimental. Entre os artistas citados até aqui, o duo tem a vantagem de ser 50% compatriota do agente 007!


02 Lana DelRey
Por ser a que mais investe na mistura de uma sonoridade clássica com instrumentos modernos, Lana Del Rey uma escolha até provável para cantar a próxima aventura de James Bond. Sucesso entre os carentes de boa música pop, Lana ainda tem aquele visual que poderia render até uma participação especial no longa como uma das conquistas do agente. Algo na linha de "Without You" seria suficiente para tocar nas rádios e até arranjar espaço entre os indicados ao Globo de Ouro... no mínimo...


01 Goldfrapp
Há quem diga que "Sartorius" é Alison Goldfrapp clamando por uma canção de James Bond para chamar de sua! Como ela (ainda) não foi convidada para emprestar a voz e sintetizadores (em parceria com Will Gregory) para os filmes de 007, Alison provou ser uma mulher que faz! A banda é famosa por ser bastante versátil em seus álbuns, da leveza de Seventh Tree (2010) à barulheira de Supernature (2005) a banda tem fãs fiéis que não iriam se incomodar de ver uma irmã sonora de Sartorius na telona. 

DVD: 007 - Operação Skyfall

Craig: James Bond amadurece cinematograficamente.

Não sou grande fã dos filmes de 007, sempre os considerei fantasiosos demais e exageradamente juvenis no retrato de um agente secreto. Pelo visto não era apenas eu que imaginava isso. Nos tempos de Pierce Brosnan (que estrelou Goldeneye/1995, O Mundo Não é o Bastante/1999 e Um Novo Dia Para  Morrer/2002) a intenção foi clara em dar uma modernizada em uma franquia que andava mal das pernas. No entanto, faltava coragem para modificar tudo aquilo que James Bond passou a representar: um garanhão cheio de apetrechos mirabolantes combatendo vilões megalomaníacos. Com uma carreira irregular no cinema, Bond passou a ser visto como filme de gente grande quando os produtores ousaram voltar à origem do personagem colocando o louro Daniel Craig na pele do agente. O britânico Craig estava em ascensão quando foi convidado para incorporar o personagem e chegou a hesitar em aceitá-lo com medo de não ser mais considerado um ator sério. Obviamente que ele sabe que se trata de um personagem capaz de devorar uma carreira, mas em meio às críticas (que reclamaram da cor dos seus cabelos até sua aparência considerada pouco atraente) estreou Cassino Royale (2006) e as pessoas perceberam que o ator levava jeito para a coisa. Depois Quantum of Solace (2008) recebeu tantos elogios quanto críticas por estar descaracterizando o herói (o que sobrou até para a canção tema de Alicia Keys e Jack White!). Os produtores espertos, perceberam que antes de soar o alerta vermelho estava na hora de mostrar que o universo Bond era capaz de chegar a outro patamar. Para isso chamaram um cineasta que ganhou o Oscar em sua estreia mirabolante com Beleza Americana (1999), Sam Mendes. Eu estranhei a ideia de ter o inglês de origem portuguesa à frente de um filme de ação, mas nunca duvide da genialidade de um homem. Desde sua estreia que Mendes encontra dificuldade em se comunicar com o grande público, não importa quantas qualidades sua cinematografia possua, o mais impressionante é que ele consegue fazer de Operação Skyfall o melhor filme de James Bond até agora. Obviamente que os produtores sabiam que o diretor seria capaz de descascar os personagens clássicos com a mesma desenvoltura que fez com os personagens de Kevin Spacey e Annete Benning em sua estreia nos cinemas, mas quem poderia imaginar que ele poderia oferecer algumas das melhores cenas de ação do ano? Nesse ponto, Mendes tem a seu favor o roteiro escrito à seis mãos por Neil Purvis, Robert Wade e John Logan que destrincha personagens antes considerados apenas secundários (como o gênio tecnológico Q vivido pelo sempre subestimado Ben Whishaw). Assim, quando nos assustamos com a cena inicial e ouvimos a canção título de Adele (ganhadora do Oscar) nos questionamos, com os créditos aparecendo na tela, se aquilo era o início ou o final da história. Sem Bond no caminho, percebemos que a história gira em torno no questionamento da competência de M (Judy Dench), que deixou em risco diversos agentes com o vazamento de informações confidenciais do MI6. Apesar do início parecer anunciar que a sólida Naomie Harris é a bondgirl da vez, na verdade, este espaço parece ser de M, que é o personagem feminino com maior destaque da trama. Perseguida pelo governo inglês e por um vilão misterioso com sede de vingança (cortesia de um afetado Javier Bardem),  M irá passar por maus bocados e somente a audácia de Bond é capaz de ajudá-la. Assim,  Daniel Craig mostra que não é apenas o porte ideal para os ternos mais bem cortados que um agente é capaz de vestir. Apoiado nas fragilidades de um agente que começa a sentir o peso da idade, seu Bond é capaz de retornar às suas dores do passado para ajudar o futuro de uma das pessoas mais importantes em sua trajetória. Com metrôs desabando, brigas em cima de trens ou no alto de arranha-céus, Sam Mendes consegue nunca desviar nossa atenção do que realmente importa: as relações dos personagens. Com uma carreira de cinquenta anos no cinema, Bond finalmente virou coisa de gente grande!

007 - Operação Skyfall (Skyfall/Reino Unido-EUA) de Sam Mendes com Daniel Craig, Judy Dench, Javier Bardem, Ben Whishaw, Naomie Harris e Ralph Fiennes. ☻☻☻

sábado, 9 de março de 2013

DVD: Românticos Anônimos

Jean e Angélique: sob a ameaça de uma cama de amar um ao outro. 

É difícil uma comédia romântica me agradar, por conta disso achei que Românticos Anônimos merecia uma menção honrosa aqui no blog, já que o filme entra fácil no meu ranking de filmes favoritos do gênero. O filme me lembrou aquele clima açucaradamente picante de Amélie Poulain (2000), só que sem tantas invencionices visuais - apesar da fotografia sem bem semelhante. A história é bem simples, mas tem alguns detalhes que deixa tudo mais divertido em sua despretensão (o que não é pouco se levarmos em consideração que trata-se de um filme meio belga e meio francês). Centrado em um casal de tímidos o filme consegue tirar o máximo de proveito das situações que sua dupla se mete. Ela é Angélique (Isabellé Carré) , uma chocolateira que tem verdadeira fobia de se expor em qualquer ramo da vida. Seus problemas românticos ela lida com a terapia de grupo que dá nome ao filme, já no campo profissional ela finge ser um eremita desde que um empresário do ramo chocolateiro descobriu seus dons. O trabalho de Angélique ficou conhecido mundialmente, mas quando o seu empresário morre, ela prefere ficar desempregada a dizer que era ela que produzia o famoso chocolate Mercier. Ela acaba indo parar na pequena fábrica de Jean René (Benoît Poelvoorde), um homem carrancudo que utiliza uma fachada mal humorada para disfarçar suas inseguranças - desabafadas somente com o analista. Angélique acaba sendo contratada por ele não para fazer chocolates, mas para ser representante de vendas de seu produto - cujo as vendas anda de mal a pior. Basta a primeira cena em que os dois se encontram para perceber que existe uma faísca platônica entre os dois. O romance evolui meio sem jeito com os pudores de ambos, mas o fato do analista de Jean sempre lhe passar tarefas para vencer seus bloqueios com as mulheres (um convite para sair, um toque e um beijo) ajuda bastante o travadão. Se ele tem seus esforços, os dela também surgem quando ela coloca a farsa do eremita em risco para salvar a empresa de seu pretendente. Existe uma inocência quase antiquada no no filme, mas o diretor Jean Pierre Améris consegue manter o filme num equilíbrio perigoso a maior parte do tempo (aquela musiquinha chata que Angélique sempre cita poderia ter sido cortada). Obviamente que ele deve muito a sua dupla central, que consegue construir dois personagens bastante carismáticos. É difícil não gostar de Angélique desde a primeira cena, assim como é impossível não simpatizar com Jean René. O final todo mundo sabe qual será, mas até chegar lá, o filme rende bons momentos como a hesitação do casal em enfrentar a primeira noite no mesmo quarto - com uma ameaçadora cama de casal!

Românticos Anônimos (Les Emotifs Anonymes/França-Bélgica/2010) de Jean Pierre Améris com Benoît Poelvoorde, Isabellé Carré, Pierre Niney e Jacques Boudet. ☻☻☻

terça-feira, 5 de março de 2013

DVD: Intocáveis

Driss e Phillipe: quase um conto de fadas. 

Muita gente reclamou quando este filme francês ficou de fora do páreo de filme estrangeiro no último Oscar. Grande sucesso nos cinemas brasileiros, Intocáveis conquistou fãs fervorosos em todo mundo, tão fervorosos que nem perceberam que o filme é um ótimo passatempo, mas que não tem nenhuma relação com o tipo de filme que a Academia costuma indicar na categoria. Apesar de arranhar superficialmente alguns temas polêmicos, como preconceitos e deficiência o filme consegue ser bastante leve e me lembrou as produções recentes que fizeram humor tendo como protagonistas pessoas com câncer (o igualmente francês O Ruído do Gelo e o americano 50%, ambos lançados em 2010) pela forma como organiza suas piadinhas. O filme gira em torno de Driss (o quase estreante Omar Sy), um rapaz que acaba de voltar para a casa de sua família depois de uma temporada na prisão. Driss vive do seguro desemprego e entrevistas de emprego que nunca dão certo... até que vai à casa do rico Phillipe (o veterano François Cluzet, que está cada vez mais parecido com Dustin Hoffman). Devido a um acidente, Phillipe encontra-se imobilizado do pescoço para baixo e se torna dependente de seus funcionários. Necessitando de acompanhamento constante, mesmo para suprir suas necessidades mais básicas, ele confia no jeito despachado de Driss para ser seu acompanhante, nesse relacionamento o rapaz irá aprender que zelar por alguém pode ser uma experiência de grande crescimento - ao mesmo tempo em que Phillipe recupera sua auto-estima enquanto doma seu orgulho,  repensa sua relação com as pessoas que estão ao seu redor e até flerta com uma mulher com quem se comunica somente por cartas. O roteiro dos diretores Olivier Nakache e Eric Toledano faz de tudo para o público se divertir, ao ponto de nunca aprofundar demais os dramas e diferenças entre os personagens. Tudo é resolvido da melhor forma possível antes que o espectador possa ficar triste com as trajetórias deles. Existem momentos bem sacados como a cena de abertura onde a dupla engana a polícia ou as referências à excitação de Phillipe quando mexem em sua orelha, mas há momentos que são apenas questionáveis (a brincadeira com a chaleira na perna de Phillipe ou a cena em que Driss faz sua barba), além disso existe o apelo descarado de colocar músicas de Earth,  Wind & Fire na trilha sonora. Baseado numa história real, Intocáveis é um filme simpático e bem feito sobre a amizade entre duas pessoas completamente diferentes (um endinheirado francês branco e um problemático senegalês), mas em vários momentos eu parecia estar vendo uma comédia americana falada em francês. Nada contra o cinema francês fazer um filme para as massas, mas adoraria que o filme mostrasse um pouco mais das dificuldades enfrentadas por seus personagens de forma mais realista e menos fabulosa  (basta lembrar das dificuldades financeiras de um e a dinheirama do outro). Inofensivo por evitar questões polêmicas, Intocáveis é apenas uma boa diversão - e não tem vergonha disso. 

Intocáveis (Intouchables/França-2012) de Olivier Nakache e Eric Toledano com Omar Sy, François Cluzet, Audrey Fleurot e Anne Le Ny. 

DVD: Selvagens

Aaron, Taylor e Lively: sexo, drogas e bocejos.

Já estou cansado de todo o filme de Oliver Stone ser saudado como o filme em que o diretor voltará à sua velha forma. Todas as saudações costumam durar até a primeira exibição que exibe o filme como mais uma vez uma produção frustrante. Realmente não consigo entender. Faz pelo menos uma década que ele não consegue acertar uma! Alexandre (2004) foi um épico tão estranho que até hoje não encontrou seu público, As Torres Gêmeas (2006) era o tipo de filme que o diretor tiraria de letra, mas resultou no mais simples feijão com arroz hollywoodiano. W (2008) mostrou que o viés político do diretor se perdera no passado num filme sonolento e desinteressante. O documentário Ao Sul da Fronteira (2009) mostrava um diretor com uma visão simplista sobre a América do Sul. Stone não acertou nem quando inventou uma sequência para um dos seus maiores sucessos, Wall Street - O Dinheiro Nunca Dorme (2010) não alcançou um décimo da relevância do filme de 1987! Ano passado ele fez até algumas pessoas acreditarem que Selvagens era seu retorno à narrativa abrasiva de outrora, mas o resultado é completamente vazio. A história do triângulo amoroso formado por Chon (o pouco convincente Taylor Kitsch), O. (Blake Lively) e Ben (Aaron Johnson) poderia render mais uma trama de romance moderninho se os dois rapazes não estivessem envolvidos com o tráfico da maconha mais disputada do mundo. Além disso, misturar uma pobre menina rica, um soldado sobrevivente do Afeganistão e um rapaz idealista poderia render bons momentos se o roteiro soubesse para onde quer ir, mas ele demora mais tempo mostrando as entranhas de dois grupos traficantes rivais do que desenvolvendo seus personagens.  Sendo assim, Chon e Ben acabam tendo em seu caminho um cartel mexicano do tráfico que quer se associar ao negócio bolado por eles. Cientes de que a situação ficará perigosa, eles preferem abandonar o ramo, mas as coisas se complicam quando O. é sequestrada e eles precisam se virar para pagar um resgate. Apesar da alardeada participação de John Travolta e Benício Del Toro, os dois estão péssimos em cena, parecendo disputar quem está mais canastrão. Travolta, como um agente secreto, não convenceria ninguém de que é honesto, já Del Toro é o exagero em pessoa. Salma Hayek apresenta a melhor atuação do filme fazendo o que pode com um personagem que já nasce de um clichê, enquanto Demián Bichir é desperdiçado num papel pouco expressivo. A maior responsabilidade fica por conta do trio de jovens atores que nem sempre convencem. Lively  não consegue dar muita dimensão para O. se rendendo à "pura pose". Kitsch se sai pior ainda fazendo sempre a mesma cara. O melhorzinho é o Kick Ass Aaron Johnson que convence como o bonzinho que se meteu numa fria. Impressiona como um filme com tantas possibilidades e cenas mirabolantes consegue soar arrastado e tedioso! Do Oliver Stone dos bons tempos parecem ter sobrado apenas as brincadeiras com cenas picotadas, as partes em preto e branco e as filmadas em super 8. Tudo é tão oco que até o final se dá ao trabalho de tentar fingir ser mais do que realmente é. Arrecadando nas bilheterias o mesmo valor de seu preço de custo, Selvagens é uma das maiores decepções de 2012 e mostra que o produto similar ao de Chon e Ben cozinhou o cérebro de um dos cineastas mais interessantes do século XX. 

Selvagens (Savages/EUA-2012) de Oliver Stone com Blake Lively, Aaron Johnson, Taylor Kitsch, Salma Hayek, John Travolta, Benicio Del Toro e Dámien Bichir. 

DVD: Rota Irlandesa

Womack: um herói (quase) de ação. 

Ken Loach é famoso por seus filmes politizados. Seu engajamento costuma ser aclamado principalmente no Festival de Cannes, onde quase todos os seus filmes foram indicados à Palma de Ouro - e até ganhou uma com Ventos da Liberdade (2006). Em 2010 ele foi mais uma vez indicado ao prêmio máximo do Festival ao buscar uma abordagem diferente para sua temática favorita. Rota Irlandesa ao invés de investir nos tons dramáticos ou românticos opta por uma atmosfera de filme de ação que consegue até prender a atenção do espectador, mas exibe toda a falta de jeito de Loach com o gênero. Obviamente que é interessante ver doses cavalares de conteúdo e maior complexidade na trama do que a maioria dos longas do gênero oferece, no entanto ele se enrola com os longos diálogos e excessos de narrativas sobre eventos importantes que, nas mãos de qualquer outro diretor, teriam se tornado eficientes cenas de flashback. Ao optar pelas conversações o filme acaba pecando pelo ritmo, mas ainda consegue manter alguma tensão ao contar a história de dois amigos, Fergus (Mark Womack) e Frankie (John Bishop). O primeiro convenceu o segundo a partir com ele para trabalhar na "via mais perigosa do mundo", que fica entre o aeroporto de Bagdá e a famigerada zona verde (mais conhecida como os arredores do palácio que pertencia à Saddam Hussein). Foi nessa rota conhecida como "irlandesa" que Frankie foi vítima de um atentado mal explicado e que Fergus busca esclarecer. Pelo caminho de suas investigações (que parecem realizadas pelo Skype!!!) sobre alguns magnatas da indústria de armamentos, Fergus se depara com evidências de que tudo foi planejado para encobrir  um crime testemunhado pelo amigo. O maior desafio de Loach parece ser conciliar a carga emocional da perda do amigo com a violência que aparece durante a narrativa (incluindo uma cena de tortura que vai contra tudo que o protagonista pregou durante boa parte da sessão), no entanto, o maior do diretor foi construir uma trama repleta de obviedades. Sem novidades sobre a sempre criticada invasão do Iraque, o filme patina entre a falta de novidade e a pretensão. Talvez o maior problema do filme seja matar o suspense logo no início quando mostra o motivo de Frankie ter sido assassinado. Mark Womack (famoso por vários trabalhos na TV europeia) até consegue convencer com os dilemas de seu personagem, mas Rota Irlandesa carece de um rumo que não evidencie o tempo todo os conflitos de seu diretor com o gênero que adotou para contar a sua história. Do pacifismo à condenação aos métodos de tortura, o filme é repleto de boas intenções, mas funciona menos do que seu diretor gostaria - especialmente pelo final que pretende ser solene, mas consegue ser apenas gratuito.

Rota Irlandesa (Route Irish / Reino Unido / França / Bélgica / Itália / Espanha - 2010) de Ken Loach com Mark Womack, John Bishop, Jacques Herlin e Michael Lonsdale.