sábado, 3 de novembro de 2012

DVD: Contracorrente

Miguel e Santiago:  misturando  Dona Flor  e Brokeback Mountain. 

É uma pena que muitos filmes de nossos vizinhos latino americanos não cheguem aos cinemas daqui, eu por exemplo, nunca havia escutado falar deste Contracorrente do diretor Javier Fuentes-León que ganhou o prêmio do Júri popular em Sundance e o prêmio do Público no Festival de Miami. Esse apelo perante o público é devido à forma como León surpreende o espectador quando ele pensa que estamos diante de uma espécie de Brokeback Mountain (2006) latino, já que Miguel (Cristian Mercado) é o líder de um grupo de pescadores, respeitado e com a esposa grávida (Tatiana Astengo), trata-se de um homem comum admirado pela comunidade, tanto que é o escolhido para oferecer ao mar o corpo de um amigo falecido numa tradição local. As pessoas nem imaginam que Miguel tem um caso com um pintor que se refugia no litoral, Santiago (Manolo Cardona - que chegou a fazer uma participação na novela "Depois Daquele Beijo" aqui no Brasil) aparenta ter um estilo mais sofisticado do que seus vizinhos e o fato de viver isolado do outro lado da praia desperta comentários sobre sua sexualidade. O filme não diz há quanto tempo Santiago e Miguel mantém esse relacionamento secreto, mas não demora muito para que o pescador tenha que tomar uma decisão - e as brigas com o parceiro (já que Miguel nega a própria sexualidade dúbia) torna ainda mais fácil a decisão de ficar com a esposa e o herdeiro que está prestes a nascer. É neste momento que o roteiro dá uma guinada claramente inspirada na trama de Dona Flor e Seus Dois Maridos, já que Santiago morre ao ser levado pela correnteza do mar. No entanto, devido às circunstâncias, torna-se um fantasma local que somente pode ser visto e ouvido por Miguel. Ambos percebem que enquanto seu corpo não for encontrado e devidamente sepultado, ele estará preso na ilha e, enquanto Miguel não encontrar o corpo, os dois continuam juntos, sem que os outros possam assistir e recriminar o relacionamento "proibido". O filme proporciona várias leituras, mas a principal delas é o conforto de Miguel em ter o amante sempre por perto sem ter que expor para às pessoas sua bissexualidade - tanto que ele não considera nenhum absurdo manter um relacionamento com um fantasma. Será que esse conforto não seria apenas uma invenção de sua cabeça? Será que Santiago deixou a ilha e Miguel criou uma espécie de amigo imaginário para si? Essas perguntas são até sugeridas pelo andamento da trama, mas não demora para o espectador perceber do que se trata. As coisas poderiam até continuar escondidas se uma obra do pintor não despertasse comentários na comunidade local e Miguel tivesse que dar um rumo em sua vida secreta. É notável a capacidade de Javier Fuentes-León fugir dos grandes clichês do gênero numa eficiência invejável nos conflitos dos personagens principais e de quem os cerca. Aspectos como escolher dois atores capazes de distanciar Miguel e Santiago dos trejeitos e estereótipos foi um dos seus grandes acertos, além disso ele capricha nos detalhes (como a vela lilás que é presente de Santiago ou a presença das novelas brasileiras - com direitos a elogios para Lauro Corona). Desenvolvido em atos bem articulados, o filme é um grande acerto, ao ponto de até acreditarmos que os preconceitos poderiam ser superados quando percebessem que o que havia era apenas uma história de amor. 

Contracorrente (Contracorriente / Peru-Colômbia-França-Alemanha /2009) de Javier Fuentes-León com Cristian Mercado, Manolo Cardona, Tatiana Astengo e José Chacaltana. ☻☻☻☻ 

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