segunda-feira, 19 de março de 2012

KLÁSSIQO: Um Corpo que Cai

Stewart e Novak: o amor que alimenta a tensão.

Quando eu era pequeno costumava passar filmes de Alfred Hitchcock constantemente na TV, confesso que assisti poucos, mas é sempre bom reencontrar a cinematografia de um mestre. Lembro que na casa de meus pais havia até um livro de contos escritos por ele e alguns deles eram realmente arrepiantes. Embora Psicose/ seja o seu filme mais famoso, o diretor possui uma vasta cinematografia em que experimenta diferentes gêneros e estilos de narrativa sempre temperados com muito suspense. Um Corpo que Cai, ou Vertigo, para os íntimos, é mais do que um suspense, o interesse maior do diretor parece residir no romance que se instaura entre os personagens John Ferguson (James Stewart) e Madeleine (Kim Novak), tanto que é a relação de ambos que alimenta o filme. Stewart interpreta um policial que logo no início do filme fica traumatizado por ter visto seu parceiro cair de  um prédio. Mesmo que estivessem perseguindo um bandido, John atribui a si a culpa do acidente. Afastado do trabalho devido ao infortúnio, John passa o tempo especulando sobre o que poderia fazer na companhia da bela amiga designer Midge (Barbara Bel Geddes). É neste ponto que o protagonista é escalado para vigiar a esposa de um amigo. Ela (Novak) desenvolveu uma verdadeira obsessão por uma pintura, ao ponto de acreditar que esteja possuída pela mulher retratada naquela obra. O marido explica que a mulher desenvolveu hábitos estranhos, ao ponto de se transformar em alguns momentos, modificando sua forma de falar e andar. Existem alguns segredos que podem justificar essa excentricidade, já que há um possível parentesco entre a mulher da pintura e a esposa do magnata. Tudo caminha para o encontro de John e a confusa Madeleine (Novak), mas a atração é aparentemente inevitável (o affair entre os dois me parece meio apressado, mas com o andamento da trama parece que era para ser assim mesmo). Madeleine mostra-se desequilibrada, mas o amor é lindo e cego e não liga para essas coisas, nem quando se trata de adultério. Precisa dizer que as tendências suicidas da mulher trará um fim trágico para o affair? E o pior, irá reavivar o pavor que John possui de altura. As coisas vão ainda ficar mais esquisita quando ele conhecer Judy, mulher muito parecida com a falecida, só que com cabelos castanhos. É neste momento que Hitchcock surpreende no exato momento em que pensamos ter chegado à conclusão da trama, mostrando um caso de amor estranho entre os dois personagens - já que  John pretende deixar sua nova amada cada vez mais parecida com a falecida. O romantismo que viamos até então só torna a trama ainda mais incômoda, já que estranhamos como aquela mulher se submete aos caprichos de um parceiro que insiste em fazê-la parecer com uma morta. É neste ponto que reside o motor do desfecho da trama, enquanto ele quer ter sua amada novamente, Judy vê naquele processo doentio uma forma de espiar as culpas que mantém em segredo. Durante todo o filme, Hitchcock capricha nos enquadramentos e utiliza recursos de câmera vertiginosos (como a incomum perspectiva com que foca a igreja local da tragédia ou as escadas que parecem se aprofundar num efeito 3D), isso sem falar nos detalhes espiralados que distribui em cena desde os créditos iniciais.  Embora a duração pudesse ser mais enxuta, Hitchcock mantém nossa atenção quase por hipnose e nos prega um susto na cena final de um tom quase tragicômico. Multifacetado, Um Corpo que Cai é uma aula de como doses generosas de romance pode acrescentar ainda mais estranheza num bom suspense. 

Um Corpo que Cai (Vertigo/EUA-1958) de Alfred Hitchcock com James Stewart, Kim Novak e Tom Helmore.  

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